Fotografias: Fotos D. R.
Em 2021 assume as funções como Diretora de Vinhos do The Yeatman…o que destaca no seu percurso?
Iniciei o projeto em 2010. Obviamente existem muitos momentos marcantes. É difícil para mim escolher um, mas há pequenas vitórias que são incontornáveis. A abertura do nosso restaurante, ainda sem Estrela Michelin, com todas as dificuldades de estar num projeto em Vila Nova de Gaia, ninguém conhecia, ninguém acreditava…fazer parte dessa abertura, desse caminho e, obviamente, no final do primeiro ano conseguirmos conquistar a primeira estrela, foi algo que me marcou muito. Foi o reconhecimento de um trabalho pioneiro que estava a ser feito. Obviamente também é incontornável a conquista da segunda estrela, até porque fomos o primeiro espaço a ter 2 Estrelas no norte de Portugal e até antes da Galiza.
O hotel apresenta um forte dinamismo com vários programas…
Quando começamos, aqui no hotel a dinamizar o nosso programa de vinhos, com os vários eventos semanais como os sunsets ou o Christmas Wine Experience, conseguimos juntar cá os nossos parceiros, num evento de luxo, com a dignidade, com o cuidado que os nossos parceiros merecem, num acontecimento de luxo. Sempre interpretamos dessa forma, com a devida organização, com os copos certos…com os vinhos à temperatura certa, foi realmente algo muito especial. A realização da Rota das Estrelas, onde reunimos cá Chefs dos vários pontos do planeta, com várias Estrelas, com um know-how muito diferenciado, foi também algo muito importante.
O que pesou na sua escolha quando ingressou na Pós-Graduação em Enologia?
O meu percurso esteve sempre ligado à área da Biotecnologia. Vou para uma Faculdade que é a Escola Superior de Biotecnologia. É um dos principais polos de investigação na área de vinhos. Na parte final da minha Licenciatura tinha que fazer a escolha entre a área da saúde ou alimentar. Devido às minhas origens, Santa Maria da Feira e, particularmente à zona onde cresci, sempre estive muito ligada à natureza. Sempre dei por mim a ter um especial dom para a parte sensorial. Facilmente identificava aromas e sempre fui muito curiosa. Para mim faria todo sentido a escolha pela área alimentar, sensorial. Curiosamente vou parar à área de vinhos. Passei a olhar para o vinho de uma outra forma. Quando nos embrenhamos em castas, regiões vitivinícolas, técnicas de enologia, há todo um mundo que se abre.
Nessa altura decidi fazer umas vindimas para perceber como é que tudo se processava na vida real, porque obviamente era transportar toda a nossa realidade de laboratório para uma dimensão totalmente diferente. Tive, provavelmente, a experiência da minha vida. Fui para uma propriedade que me permitiu ter toda a visão romântica de vinhos. Uma microprodução, onde todos os dias íamos fazer a Bâtonnage, poucas barricas, pesava os ingredientes que fossem necessários adicionar, tratava com todo o carinho as uvas. Percebi que seria um caminho que me daria muito gozo fazer. Já que queria muito fazer esse caminho, pensei estudar Enologia para a profundar os meus conhecimentos. Nessa altura fui fazer uma Pós-Graduação em Enologia na UTAD e, a partir daí, surgiu uma série de possibilidades ao longo do meu percurso que fizeram todo o sentido. Entretanto surge a possibilidade de integrar a equipa de um hotel que era completamente revolucionário. Era o primeiro hotel vínico de luxo em Portugal, com uma garrafeira impressionante e que ainda por cima pertencia a uma empresa que era a Fladgate, que tinha a Taylor’s, a Croft, a Fonseca, Wiese & Khron…portanto, fez todo o sentido arriscar e vir perceber este mundo, obviamente numa vertente hoteleira, para poder aceder a este conhecimento que naturalmente me ia ser dado.
O The Yeatman é um hotel inspirador…como é um dia de trabalho por aqui?
A verdade é que já passaram 13 anos que estou nesta casa e nunca há um dia de trabalho igual. Temos determinadas rotinas, reuniões e a agenda que temos que cumprir, mas o facto de estarmos em contacto com os nossos clientes, de todo um mundo com experiências diferentes, o facto de termos que trabalhar com equipas tão diferenciadas, o facto de nos proporem e desafiarem para criação de novos eventos, de novos projetos, de termos um conceito tão próprio que é o conceito de parceria vínica, torna o nosso dia especial ao ponto dos nossos parceiros batizarem os nomes dos nossos quartos.
Como surge a paixão pelos vinhos e gastronomia?
É algo natural. Algo que já vem comigo desde a infância. Foi uma evolução natural e, quando tenho a possibilidade, neste caso em 2010, de me juntar à equipa do The Yeatman, de um restaurante que ambiciona ter uma Estrela Michelin, com o Chef Ricardo Costa, quando nos começamos a deparar com este tipo de gastronomia, quando temos acesso à garrafeira, há aqui uma conspiração cósmica que faz todo sentido.
Vinho e gastronomia são inseparáveis?
Obviamente a existência da gastronomia e do vinho em separado é perfeitamente possível, mas quando a harmonização é feita corretamente e, corre efetivamente bem, magia acontece. Quando há um match e, é perfeito, de facto magia acontece. É isso que tentamos transportar para o nosso restaurante. Conheço muito bem o perfil do Chef, o estilo. Temos o cuidado de trabalhar com muita proximidade através das várias provas que fazemos internamente, dos nossos jantares vínicos que fazemos todas as semanas, como se fosse o nosso laboratório onde o Chef, cria, recria, adapta pratos a pensar em determinados vinhos que são apresentados semanalmente por cada produtor. É algo que já fazemos há 13 anos, ou seja, todas as quintas-feiras temos um jantar vínico. Acima de tudo, tentamos ir às coisas mais simples da vida. Uma experiência com vinhos e gastronomia é algo tão prazeroso que nos pode mudar.
Que detalhes não podem faltar na preparação dos vossos jantares vínicos?
Temos todo o cuidado na preparação desta experiência. Falamos com os parceiros e selecionamos os vinhos. No caso de conhecer o vinho, traço o perfil aromático do mesmo para o Chef. Caso contrário, pedimos ajuda aos produtores para que possamos passar ao Chef Ricardo o máximo de informação relativamente aqueles vinhos. Obviamente, ele irá apresentar-nos um menu adaptado à sazonalidade, à região, a alguns pormenores relativos ao produtor.
Que vinho gostaria de fazer?
Eu não sei se queria fazer vinho. Isto é um pouco como alguém que está numa galeria de arte. Eu não sou o artista, mas tenho acesso e posso olhar para as obras de arte todos os dias, ou seja, para os vinhos que estão expostos. Não tenho um tipo de vinho preferido. Vai depender de uma serie de fatores. Vai depender da ocasião, vai depender da companhia, do prato…de uma série de fatores. Prefiro apreciar e tirar partido do que fizeram.
Tem uma casta preferida?
Tenho muitas regiões preferidas. Tenho muitas castas preferidas. Há vinhos que tenho bebido mais ultimamente, mas acima de tudo, gosto de ser surpreendida, mesmo dentro de uma mesma região, onde podemos encontrar tantos perfis. É difícil responder a esta questão. A resposta mais fácil é: não tenho, gosto de muitas…
O que falta a Portugal para se valorizar nos diversos mercados de vinho?
Já estamos a fazer um bom caminho. Mas, acho que acima de tudo, falta uma estratégia consertada. É preciso inspirarmo-nos noutras regiões de outras países que realmente são muito mais reconhecidas. É necessário uma estratégia de marketing que permita vender o nosso vinho como um produto de grande qualidade e, que já esta a ser feito, mas tem que crescer e evoluir…naturalmente precisa de tempo. Por vezes, há uma sensação de falta de união…sinto que cada produtor, comissão ou região, tem a sua agenda própria, mas é necessário mais união na divulgação, na promoção, na elevação do produto, do valor que temos e da qualidade que apresentamos. Há muitos projetos que já perceberam isso e que aliam energias e sinergias para ganharem mais dimensão. Isso é louvável.
O nosso proprietário muitas vezes pergunta-nos: Elisabete eu tenho parceiros no The Yeatman como concorrentes relativamente ao vinho do Porto? Dizia há pouco, que temos a Taylor’s, Croft, Fonseca, Wiese & Khron…e não deixamos de ter cá a Quinta do Noval, Ramos Pinto, a Graham’s, Dow’s, Churchill’s, a aliaram-se a nós. Marcas de vinho do Porto fortíssimas que decidiram juntar-se. A concorrência não está aqui em Vila Nova de Gaia, mas sim na fronteira. Temos que nos juntar para sermos mais fortes. Nós temos que ir mais longe, mas isso só é possível quando somos massa crítica. A visão tem que ser claramente muito maior.
Para onde caminhamos como tendência nos vinhos?
Temos um bocadinho de tudo. Obviamente, estamos a seguir tendências que surgiram por percursos que estão a ser feitos noutros países, outras vezes pela própria visão das empresas que querem criar algo diferenciado e, até mesmo, por efeitos pandémicos. Com a pandemia houve um aprofundar de conhecimentos sobre vinhos. Tivemos tempo para valorizar aquilo que estamos a beber. Logo após a pandemia, senti uma procura por vinhos mais leves, menos tânicos, menos encorpados…e que, creio ser essa a tendência que se mantém em Portugal, nas diversas regiões. Há também uma tendência, neste caso mais internacional, que já a começa a enraizar-se em Portugal, que são os vinhos orgânicos / biológicos e com baixo teor de álcool. Não estamos a excluir os tradicionais, mas neste momento a grande tendência é essa. Pode ser só um ciclo, mas nota-se pelo que os produtores nos estão a apresentar e pelo que os clientes nos estão a pedir. Diria que a tendência são vinhos mais leves, orgânicos / biológicos e com teores de álcool mais baixos.