A Herdade do Rocim é uma propriedade situada entre a Vidigueira e Cuba, no Baixo Alentejo, com cerca de 120 hectares, entre os quais 70 de vinha e 10 de olival. A falha da Vidigueira, um acidente natural que marca a divisão entre o Alto e o Baixo Alentejo, determina a razão de ser da Vidigueira, a sub-região vitivinícola mais a Sul do Alentejo. Na Herdade do Rocim é respeitado, desde o início, a vocação natural do terroir da região, produzindo vinhos frescos, elegantes e minerais.
Texto: Pedro Silva
Fotos: Fotos D. R.
O Pedro Ribeiro nasceu no Porto e fez formação em Vila Real na UTAD. Posteriormente viajou para Austrália. Como é que o Alentejo se torna a sua casa?
PR – A minha ida para o Alentejo foi mais ou menos por acaso. Era um jovem com vinte e poucos anos e tinha estado a trabalhar na Austrália. Quando regressei queria fazer um intervalo para depois viajar novamente de modo a fazer mais uma vindima. Não queria ficar parado e queria experimentar uma região diferente em Portugal. Já tinha tido várias experiências no Douro. A minha primeira vindima foi na Quinta do Noval. Trabalhei na Sandman, na Offley, na Ferreira…e rapidamente pensei que faltava uma região que eu considerava interessante em Portugal, que é o Alentejo. Tentei fazer uma vindima no Alentejo. Nessa altura, o Luís Duarte que tinha acabado de sair da Herdade do Esporão, estava a iniciar um projeto no Alentejo, que era a Herdade dos Grous. Estava a iniciar mesmo. Estava nas primeiras plantações, nem sequer adega tinha. E foi assim que aconteceu. O Luís Duarte disse-me que seria um projeto para a minha vida. A verdade é que acabou por ser. Acabei por ficar lá 9 anos. Foi o meu primeiro e mais sério projeto, com mais responsabilidade, até porque envolveu a construção de uma adega e plantações de vinha desde o início. Foi muito interessante, no entanto não estava nos meus horizontes ir trabalhar para o Alentejo. O Douro parecia uma escolha mais obvia para mim, mas também era muito novo e queria experimentar mais coisas.
“O Alentejo tem algo muito interessante que permite aos enólogos e aos produtores trabalhar com consistência”.
O que significa para si o Alentejo?
PR – Acabei por ficar e apaixonar-me pela região. É uma região que me permite sonhar. Permitiu-me crescer como profissional do vinho. É certo que é uma região que tem os seus problemas, mas também tem inúmeras qualidades. Para mim é das regiões com maior profissionalismo em Portugal.
A Herdade do Rocim é, principalmente, o resultado de um desejo e de um sonho. “Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce” é a expressão poética de Fernando Pessoa que melhor pode ajudar a compreender as circunstâncias em que surgiram a ideia e a obra construída. Até que ponto este pensamento o inspira diariamente?
PR – Nessa perspetiva é inspirador enquanto enólogo. Há uma busca incessante por criar novos produtos, interpretar os mesmos terroirs de diferentes maneiras, ou usar técnicas ancestrais. O Alentejo tem algo muito interessante que permite aos enólogos e aos produtores trabalhar com consistência. No Alentejo, temos ano após ano, anos muito bons. Raramente acontecem anos maus. Isto permite-nos criar ao longo dos anos, uma consistência de produto que naturalmente vai dar uma consistência de cliente, que por sua vez, permite fidelizar. Tem uma base de marcas que permitem sustentar o negócio. A partir daí é possível ser um pouco mais criativo e entrar noutro tipo de jornadas de desenvolvimento de produto. Acho que é uma região muito privilegiada nesse sentido.
A Herdade do Rocim é uma propriedade situada entre a Vidigueira e Cuba, no Baixo Alentejo, com cerca de 120 hectares, entre os quais 70 de vinha e 10 de olival.
Que personalidades no mundo do vinho o marcaram?
PR – Na verdade, há duas pessoas que me marcaram e que são do panorama nacional, quer pela proximidade, quer pelos ensinamentos que me transmitiram. Um dele foi o Luís Duarte com quem trabalhei 9 anos na Herdade dos Grous. Marcou-me pelo pragmatismo, pela visão de negócio e que muitas vezes é vista de uma forma muito romântica, mas que na verdade, é fundamental para que os projetos sejam viáveis e sólidos ao longo dos anos. Outra pessoa, e de uma forma mais recente, foi o Dirk Niepoort com quem temos projetos de vinho em conjunto. Têm-me apoiado no desenvolvimento de alguns produtos que são mais da área do sonho, mas que ajudam a solidificar a marca e o negócio em si.
Nos vinhos que produz, podemos dizer que o Pedro é um enólogo de mínima intervenção?
PR – A minha formação foi feita na Austrália onde o enólogo intervém muito, com muito pragmatismo enológico. Depois aqui no Alentejo houve uma continuação do trabalho que tinha desenvolvido na Austrália. Com o meu crescimento enquanto enólogo, como pessoa e com o conhecimento que trouxe de todas as viagens que fiz, fui-me desligando cada vez mais da parte interventiva na adega. Fui confiando mais na natureza, nas uvas que tinha, criando produtos que fossem mais fiéis ao terroir. Não sou fundamentalista, fiz um percurso que começou no novo mundo, mas que agora, é do velho mundo, e que é assumidamente, de mínima intervenção.
“Fiz um percurso que começou no novo mundo, mas que agora, é do velho mundo, e que é assumidamente, de mínima intervenção”.
Como vê o crescimento do enoturismo em Portugal?
PR – O enoturismo em Portugal está só no início. Há uns 10 anos ia aos Estados Unidos e dizia que era enólogo em Portugal. Diziam-me – “então produz vinho do Porto. Vocês em Portugal só fazem vinho do Porto”. Nos últimos anos isto mudou radicalmente. Têm vindo imensas pessoas dos EUA, Canadá, Brasil, de vários países da Europa, e isso tem dado a conhecer Portugal de uma maneira inacreditável, ajudando imenso o negócio do vinho. Creio que é uma aposta muito importante para solidificar o negócio do vinho. Olho para o enoturismo como uma ferramenta para impulsionar o vinho. Penso desta forma por vários motivos. Talvez porque o meu metier é a produção de vinho e venda de vinho, não é a hotelaria em si. A verdade é que o enoturismo é uma ferramenta muito importante para tudo o que se gera em torno do vinho. Nesse sentido, a Herdade do Rocim tem já um projeto para um pequeno hotel. Temos um monte alentejano que vamos transformar num pequeno hotel rural com cerca de 9 quartos. Isto vem no seguimento do que estava a dizer, de ferramenta de Marketing para o negócio do vinho. É claro que vamos vender quartos, mas nunca quisemos transformar. Queremos algo mais controlável, que fosse um apoio, uma ferramenta de promoção do nosso negócio.
“A verdade é que o enoturismo é uma ferramenta muito importante para tudo o que se gera em torno do vinho. Nesse sentido, a Herdade do Rocim tem já um projeto para um pequeno hotel”.
Para quando prevê a conclusão desse projeto?
PR – Estamos numa fase difícil para todos os empresários, que é a fase do licenciamento. No Alentejo isto toma uma dimensão ainda mais especial, mas eu acredito que a obra ainda se iniciará este ano e em 2023 estará finalizada.
Vale da Mata e Bela Luz…o que podemos esperar destes projetos?
PR – A Rocim está no Alentejo, mas nós queremos assumirmo-nos como um projeto de várias regiões. Para além do grande investimento que temos na Herdade do Rocim, quer no vinho e na adega, contando também com o enoturismo e, no futuro próximo também com o hotel, temos também mais duas vinhas.
Uma na região de Lisboa, que é o Vale da Mata com um terroir totalmente distinto, com proximidade ao mar, com frescura, com mineralidade, com um perfil completamente diferente e que nós trabalhamos não à moda do Alentejo. É apenas uma vinha, mas é muito especial. Estamos a falar de 5ha e que recentemente teve uma mudança de imagem.
No Douro estamos a falar de algo semelhante. Também apenas uma vinha com 4/5ha, onde produzimos o vinho que é o Bela Luz. Está a correr muito bem, apesar de estar no mercado, para já, apenas um vinho tinto. Muito em breve aparecerá um branco e mais para o final do ano um Porto Vintage com a colheita de 2020. Ainda no Douro irá aparecer um investimento mais assumido com a construção de uma adega que permitirá uma consolidação deste projeto na região.
Que castas mais aprecia para cada uma das regiões onde está a desenvolver vinho?
PR – No Alentejo escolho duas. O Alentejo é a minha casa. Digamos que poderá ser o “triple A” – Alentejo, Alicante Bouschet e Antão Vaz. São castas brilhantes.
Para a região de Lisboa olhava para o Arinto com uma especial atenção. Poderá ser considerado por muitos o “underdog” da viticultura. É uma casta com uma capacidade incrível, mas creio que os enólogos e produtores portugueses ainda não pegaram nesta casta como ela merece. O Arinto tem muito para mostrar.
No Douro gosto muito da Touriga Franca. É uma casta muito completa, muito contida, sem exageros e que colhida na altura certa, tem quase tudo aquilo que gosto num grande vinho do Douro.
Pode desvendar mais algumas novidades que estarão previstas ainda para este ano?
PR – Para além de todos estes projetos, haverá a aposta numa loja física em Lisboa, em Xabregas, onde também estamos naquela fase dos licenciamentos. Creio que será um marco importante para a Rocim. Teremos um “braço armado” em Lisboa para podermos apresentar os nossos vinhos, os nossos projetos, as nossas parecerias…e será uma loja de vinhos, um Wine Bar, que poderá, eventualmente, evoluir para um Restaurante.
Entretanto para o mercado irão sair algumas parcerias. Uma delas que tenho com o Márcio Lopes na região do Dão. Os primeiros vinhos são de 2020, com um branco e um tinto que já estão engarrafados e que sairão sensivelmente a meio deste ano para o mercado. Saíra ainda uma outra parceria, desta vez, na Ilha da Madeira. Será um vinho DOC Madeirense feito em parceria com o Ricardo Diogo da Barbeito.