Cristiano van Zeller é umas das personalidades incontornáveis do Douro. Integra o painel de produtores do projeto Douro Boys que tem como missão mostrar o potencial do vinho da sua região. Com grande paixão e propriedade, conta histórias como ninguém sobre a região duriense. Esta entrevista é disso exemplo. Cristiano e Francisca van Zeller convidam-nos para uma viagem afetiva ao universo dos seus vinhos, confirmada pela simplicidade que está ancorada na tradição, mas voltada para a transformação.
Texto: Pedro Silva
Fotografias: Fotos D. R.
Tem um legado único no douro, com cerca de 400 anos de história. O que destaca no seu percurso desde que está a frente da Van Zellers & Co.?
CVZ:Eu não consigo destrinçar aquilo que nós estamos a fazer agora do muito daquilo que foi o percurso todo da minha vida, que foi sempre o vinho do Porto. O DOC Douro arranca só nos anos 90. Aquilo que fizemos na Van Zellers & Co., nesta nova fase, a partir de 2007 e, sobretudo agora a partir de 2021, é mais importante, é o recentrar do foco que nos últimos 30 anos, foi sendo feito, mas agora no vinho do Porto. Não no sentido de dar mais importância ao vinho do Porto do que aos DOC Douro, mas recentrar o foco daquilo que nós fazemos na região como um todo, em que o vinho do Porto, passa a ter uma importância comunicacional de uma empresa que produz DOC Douro, como se percebe pelo nosso passado, com a Quinta Vale Dona Maria, ou de outros trabalhos que fiz no Vallado, Crasto e nos Douro Boys.
Será o regresso do vinho do Porto a um destaque equivalente ao DOC Douro, como reforço da região como um todo e, ao mesmo tempo, conseguirmos com esse reencontro, aproveitando todo o conhecimento do que a gente fez e a abertura que temos nos mercados, com a demonstração de inovação, de aventura, de risco e de criar uma marca de denominação de origem no Douro que não existia. Num mercado em plena evolução, é trazer o vinho do Porto para essa modernidade. E como é que comunicamos o vinho do Porto? Esse é o grande desafio que nós temos à nossa frente. Precisamos de aproveitar essa modernidade, essa revolução, que foi a existência do DOC Douro.
É importante termos a perceção do vinho do Porto como um valor excecional histórico, cultural e de consumo, que permita uma valorização da região como um todo e, nós como empresa e família, obviamente, nos possamos manter no negócio durante décadas ou séculos.
Cristiano van Zeller
Estamos perante um grande desafio…
CVZ: O grande desafio que eu sinto na Van Zellers & Co. e na dimensão que nós temos é uma vontade em conseguirmos reverter, ou até mesmo parar, algum decréscimo em torno do vinho do Porto, criando uma dimensão histórica qualitativa, uma perceção de valor, que permita o rejuvenescimento do vinho do Porto, talvez até com uma redução de volume mais tarde ou mais cedo. É importante termos a perceção do vinho do Porto como um valor excecional histórico, cultural e de consumo, que permita uma valorização da região como um todo e, nós como empresa e família, obviamente, nos possamos manter no negócio durante décadas ou séculos.
Tem uma estratégia diferente para o vinho do Porto e outra para os DOC Douro?
CVZ: Temos que distinguir entre estratégia e tática, na prática. A nossa estratégia enquanto empresa é a mesma e tem a ver com o posicionamento dos vinhos, com a sua referenciação e a imagem dos vinhos de alta qualidade, a referência à família. Nós usamos o mesmo bloco de argumentação, para um lado ou para o outro. O que usamos depois são questões mais táticas, dependendo dos mercados, em que podemos ser mais incisivos no vinho do Porto num mercado, e o mesmo é válido para os DOC Douro. Temos a flexibilidade suficiente para nos adaptarmos à forma de entrar e de estar nos mercados. Muitas vezes o DOC Douro é complementar, noutras circunstâncias é o vinho do Porto. Dou-lhe o exemplo do mercado Belga onde temos que ser mais incisivos e específicos para o DOC Douro. São países onde o vinho do Porto é conhecido. Quando avançamos para mercados desses o vinho do Porto funciona como primeira linha de batalha e os DOC Douro como reserva estratégica. Entramos nos diversos mercados com formas adaptadas a cada circunstância.
E antiga vinha do Rio Torto…
CVZ: Ao longo do tempo e com a experiência vai-se percebendo qual é o valor potencial de uma vinha. Em 2003 quando aquela vinha nos surge e nos é proposta, já tinha um passado onde eu estava a fazer DOC Douro há 20 anos. Comecei em 1985 no Noval. Esta vinha já tinha um passado histórico. Está numa zona que eu já conhecia bem desde 1996. Pertencia a uma família de amigos, portanto já tinha uma referência da qualidade daquelas vinhas, sabia que dali saiam vinhos de qualidade muito importante. Fizemos a primeira vindima em 2003 e só fizemos 1800 garrafas. As nossas vinhas têm uma idade média de 60 a 80 anos, algumas com mais de 20 castas por hectare. Esta diversidade é o que torna os nossos vinhos únicos.
Atualmente, a Francisca é responsável pelo marketing e comunicação da Van Zellers & Co. Como é que é que desenha a comunicação dos vossos vinhos?
FVZ: Durante 20 anos estivemos associados à Quinta Vale D. Maria. Os consumidores de hoje em dia reconhecem o meu pai e o nosso trabalho muito alavancado pelos DOC Douro. Desde 2020 que basicamente foi um ano que não aconteceu grande coisa, mas na verdade, nos últimos 2 anos, conseguimos posicionarmo-nos como uma família de vinho do Porto. Creio que já somos reconhecidos como tal, apenas em 2 anos, como uma família de vinho do Porto. O maior desafio foi posicionarmo-nos como uma família que tem na sua génese o vinho do Porto, que não legitima ninguém, mas que é a nossa história. Durante muitos anos estivemos a conta-la de uma forma ligeiramente diferente. Nós pertencemos ao Douro, mas se calhar tínhamos os pés muito assentes no DOC Douro, na revolução, na mudança, na transformação. E de repente temos que estar a dizer que continuamos a transformarmo-nos, mas basicamente ancorados na tradição, no passado, que é ligeiramente diferente.
O nosso grande desafio é que as histórias sejam suficientemente fortes para que as pessoas as saibam recontar. Que tenham impacto e que sejam simples. Queremos estar ancorados na tradição, mas muito voltados para o futuro.
Francisca van Zeller
A Van Zellers & Co. é a mais recente empresa que se voltou a tornar independente como exportadora de vinho do Porto, que são pouquíssimas. As inovações, as novas ideias, as novas gerações estão todas no DOC Douro. Nada disto é uma crítica, mas é uma realidade. E por isso, nós temos a oportunidade de sermos uma nova geração com o histórico e o conhecimento, acima de tudo no vinho do Porto. Acho que é uma história riquíssima para nós contarmos. Isso é o que nós tentamos fazer em cada um dos vinhos que lançamos, através até das categorias que temos dentro do nosso portfólio. Tentamos simplificar a linguagem o máximo possível. Temos vinhos criados pela mão do homem, criados pela natureza ou criados pelo tempo. E todos os nossos vinhos têm que se conseguir inserir dentro de um destes perfis. Vinhos que são criados pelo tempo são os Colheita. É o tempo que os define, porque nós vamos engarrafa-los muito depois da vindima. Os vinhos criados pela natureza vamos engarrafamos muito cedo porque aquilo que nos queremos mostrar é a natureza e não o tempo. Os vinhos criados pela mão do homem são os blends, por isso é a arte que está subjacente em criar misturas e as sensações que o vinho pode trazer. Quando renasce a Van Zellers & Co. já renasce com estes três pilares, que nos ajudam muito facilmente a contar as histórias ou como cada um dos vinhos são feitos.
E que tipo de trabalho tem sido feito nesse sentido?
FVZ: Para além do nosso portfólio base, o maior desafio para além de contar essas histórias, é contar o tipo de trabalho que nós fazemos. Porque é que um CV Curriculum Vitae se distingue tanto de outros vinhos do Douro? Essa história pode ser contada através da história da própria vinha. Não temos o histórico dos 100 anos, mas temos uma com mais de 20 anos, sobre como a preservamos, como a tratamos. Temos um trabalho muito focado na biodiversidade e na preservação das vinhas velhas, porque é isso que vai distinguir o CV ao longo da sua vida. Não podemos reformular aquela vinha. E depois temos outros vinhos, que são estes novos lançamentos, coisas muito especiais, de nicho, que têm que contar uma história muito forte, como foi o caso do lançamento do Vintage Ocean Aged. Têm que ter uma mensagem muito forte, para que as histórias sejam fáceis de contar. O nosso grande desafio é que as histórias sejam suficientemente fortes para que as pessoas as saibam recontar. Que tenham impacto e que sejam simples. Queremos estar ancorados na tradição, mas muito voltados para o futuro.
Uma nova e empolgante iniciativa no vinho do Porto esta a chegar com lançamento do Van Zellers & Co. Vintage Port 2020 Ocean Aged. O que nos pode contar?
FVZ: Vinhos que foram envelhecidos de baixo de água já existem vários, por isso isto não é inovador, no sentido do vinho estar a fazer o seu estágio debaixo de água. A 10 metros de profundidade o vinho encontra condições muito favoráveis, ou seja, são temperaturas constantes, há pouca luz, tem o ambiente húmido que precisa, por isso são condições favoráveis para envelhecimento em garrafa. Num jantar com um dos sócios das Adega do Mar, perguntei se alguma vez tinha sido envelhecido um vinho do Porto debaixo do mar. Mais uma vez o nosso foco está muito aí. É tornar a conversa em torno do vinho do Porto desempoeirada. Mudar a conversa. E para isso, temos que dar outros ângulos. Um ângulo, um desafio é: como é que o vinho irá envelhecer? Há um certo grupo de pessoas e consumidores, que têm um genuíno interesse como é que este vinho evolui ao passar um ano debaixo de água. Mas também há pessoas que poderão achar que não existe uma real diferença. Não são esse tipo de consumidores que gostam de contar histórias ou falar sobre produtos, que lhes toca de alguma forma. E nesse sentido a garrafa está vestida com outras componentes como a sustentabilidade. Então fizemos uma parceria com uma marca que trabalha a sustentabilidade – a Zouri Vegan Shoes. Só faz sapatos com plásticos reutilizados das praias, ou seja, as solas dos sapatos. Por isso seria natural ligar as praias, os plásticos, o mar, que é das maiores crises que a humanidade enfrenta em torno da poluição marítima.
Vamos levar isto mais longe e vamos fazer uma parceria com o Oceanário. Vamos trazer essa mensagem à nossa região que é São João da Pesqueira. Neste sentido, as crianças de São João da Pesqueira vão ter a oportunidade de ter uma equipa entusiasta e conhecedora, que é a do Oceanário de Lisboa a dar-lhes uma formação sobre aquilo que acontece a montante do mar. Eles já tiveram uma campanha em São João da Pesqueira para as crianças, sobre a importância e a responsabilidade que eles têm na diminuição da poluição marítima.
Uma iniciativa empolgante…
FVZ: Neste caso o que é empolgante é: como é que esta história pode tocar as pessoas? E, realmente, a curiosidade científica de como é o que vinho pode envelhecer debaixo de água. O facto de tudo isto estar ancorado ao vinho do Porto, conseguirmos juntar 2 fatores. Em Portugal temos 2 grandes produtos dos quais temos muito pouco conhecimento e damos pouco valor, que é exatamente o vinho do Porto e o mar. E são dos nossos maiores tesouros. Por isso aqui ligamos as duas componentes, que acho fundamental.
Quando podemos adquirir?
FVZ: O vinho vai ficar 11 meses debaixo de água, até dia 16 de novembro, que é o dia nacional do mar. Uma forma de nós acorarmos a comunicação deste projeto. Será a partir de dezembro, mas as garrafas já podem ser adquiridas no mercado nacional online.