A Quinta da Vineadouro é uma propriedade secular de características únicas na região do Douro Superior. Situada entre o histórico Castelo de Numão e o Douro sublimado de Miguel Torga é um espaço de tranquilidade e paisagens deslumbrantes. Neste cenário idílico podemos desfrutar de experiências únicas e inesquecíveis associadas à celebração da cultura do vinho. Pertencendo à mesma família desde o século XVIII, os atuais herdeiros, familiares e descendentes – Cristina, Carlos, Teresa, Joana, Filipa, Inês e Diogo – representam duas das gerações associadas aos destinos desta quinta. Desde 2014, a paixão e dedicação da família levaram ao início da recuperação de todo o edificado rústico existente na quinta, assim como da requalificação de todo o espaço exterior que abrange vinha, olival, amendoal e floresta.
Texto: Pedro Silva
Fotografias: Fotos D. R.
A Quinta da Vineadouro é um projeto com um legado superior a 250 anos…
TL: Represento a sétima geração associada a este projeto. É, de facto, um legado que já vem dos nossos antepassados. Tanto quanto conseguimos apurar, já tem mais de 250 anos. Tem tudo a ver com a presença da família nesta aldeia histórica, que é Numão. A propriedade fica localizada junto a essa aldeia histórica e tem várias valências. Desde que a minha geração assumiu a gestão da Quinta, temos vindo a identificar e a ver como é que conseguimos construir um projeto com várias vertentes, com a possibilidade de criar valor e orientar este projeto para que seja sustentável, de forma a passar às próximas gerações. Também temos já alguns representantes da próxima geração envolvidos no projeto. Para fazer uma descrição breve relativamente ao legado, temos várias propriedades que totalizam cerca de 140 hectares.
Uma propriedade com características singulares…
TL: Podemos dizer que é uma propriedade singular, pois temos quatro parcelas de vinha com cepas muito antigas. Só para ter uma ideia, a parcela mais jovem foi plantada há mais de 50 anos, mas temos uma já com cepas centenárias. É, de facto, um legado vitivinícola importantíssimo, com uma variedade de castas. Temos cerca de 22 castas, entre brancas e tintas, que foram classificadas e que fazem parte do património vitivinícola da região do Douro. São castas autóctones do Douro, muito antigas também. Castas com existência na região há muitos anos, e algumas delas tiveram uma importância muito grande no passado. Por exemplo, a casta Marufo está em risco na própria região.

E a produção vitivinícola?
TL: Relativamente à produção vitivinícola, o que temos feito foi começar com a identificação das castas que temos no local. Iniciámos um trabalho de recuperação dessas vinhas velhas com o objetivo de preservar algumas dessas castas importantíssimas para a região e que, infelizmente, têm vindo a perder área plantada. Relativamente à restante propriedade, temos um olival bastante vasto, com cerca de 30 hectares, e toda uma zona de floresta com muita vida selvagem. Tem sido a missão da família preservar essa floresta, mantê-la e continuar a contribuir para a diversidade existente. Para nós, é um momento extremamente importante e respeitamos todo esse legado que recebemos. Queremos continuar a recuperar esse legado e a ter intervenções, mas é ponto assente que queremos manter esta biodiversidade, porque ela é muito importante para a vinha e para todo o meio envolvente.
O meio envolvente inspirou o Enoturismo?
TL: Existiam duas casas rústicas no meio da propriedade, que foram objeto de requalificação. Uma delas era usada pelo tio-avô, médico da aldeia durante muitos anos e que foi, digamos, o familiar que mais tempo viveu na aldeia, pois faleceu já com noventa e poucos anos. Foi, de facto, uma personagem muito importante para a aldeia, daqueles médicos que nunca cobravam nada e, como tal, recebiam muitas vezes bens em espécie.
A casa do tio-avô foi recuperada?
TL: Uma destas casas rústicas era o chalé de caça do tio-avô, que foi totalmente remodelado. Respeitámos a fachada exterior em granito e fizemos a recuperação integral do interior para integrar a nossa oferta de alojamento. A outra casa era o antigo celeiro da Quinta. No passado, produzíamos cereais como trigo e milho, que eram deixados nessa casa para secar e armazenar. Esta construção em granito foi totalmente recuperada e faz parte da nossa oferta de alojamento, lançada em setembro do ano passado. Designamos a nossa oferta de alojamento como Wine Hotel, pois para nós é uma filosofia, um conceito onde os visitantes e hóspedes têm a oportunidade de se imergir numa Quinta centenária.

O que os visitantes podem descobrir?
TL: Podem participar também em diversas atividades diárias que a Quinta oferece. Queremos proporcionar experiências exclusivas e imersivas, ligadas ao mundo do vinho, que realizamos ao longo do dia. Por último, temos todas as experiências de enoturismo que começámos a desenvolver ainda em plena pandemia. Desde 2021, recebemos os primeiros grupos para este tipo de experiências.
Que experiências são estas?
TL: Desenvolvemos experiências que destacam alguns locais especiais dentro da própria propriedade, como, por exemplo, a Vinha da Coitadinha. A nossa vinha centenária possui uma área preparada para acolher visitantes e apreciadores de vinho, os enófilos. Aí, têm a oportunidade de fazer provas de vinhos ou mesmo desfrutar de um almoço vínico com pratos típicos da região. Desta forma, conseguem ter uma experiência de harmonização desses pratos típicos com os vinhos da Vineadouro. Para além dessas experiências, tentamos valorizar alguns locais de interesse próximos, nomeadamente o Castelo de Numão, um castelo muito bonito com uma vista particularmente interessante. Também criamos experiências vínicas a bordo de uma embarcação que faz o trajeto no rio Douro.
Há uma simbiose muito interessante com a região…
TL: Tentamos, desta forma, contribuir para divulgar os pontos de interesse próximos da Quinta. Conseguimos voltar a colocar a aldeia de Numão no mapa, uma aldeia que teve muita importância no passado, mas que, infelizmente, veio a perder a sua relevância. Neste momento, é uma daquelas aldeias em risco de extinção, porque cada vez há menos população local. Uma das missões da família é criar postos de trabalho e fazer investimentos para atrair jovens e famílias a fixarem-se na aldeia.

Quem são as pessoas que vêm conhecer a Quinta da Vineadouro?
TL: Temos um grupo significativo de membros no nosso clube de vinhos, o “Clube V”. Divulgamos um conjunto de iniciativas junto dos membros do “Clube V”, que realizamos não só na Quinta da Vineadouro, mas também em outros locais estratégicos para a Quinta. Atualmente, contamos com mais de 400 membros. Sempre que temos um evento, como um almoço ou uma prova de vinhos na Quinta, divulgamos junto desses membros, que são essencialmente portugueses.
E visitantes de outros países?
TL: Temos alguns estrangeiros, mas o nosso público é essencialmente português. Sempre que temos esses eventos, são maioritariamente os membros do “Clube V” que participam e confirmam presença. Por outro lado, temos também um conjunto de visitantes estrangeiros, alguns dos quais pernoitam na Quinta da Vineadouro. Outros vêm de hotéis ou do turismo local próximo e são recomendados para fazerem experiências vínicas na nossa propriedade.
Quais as nacionalidades com as quais têm mais contacto?
TL: Relativamente ao público estrangeiro, com várias nacionalidades, temos recebido mais visitantes provenientes dos Estados Unidos. Julgo que é um turismo que, neste momento, e por conversa com outros agentes e operadores do setor, é a proveniência mais significativa no Douro. É, claramente, o mercado norte-americano com um maior enfoque aqui. Temos recebido também visitantes de Espanha, mercados nórdicos, Alemanha, Brasil e Inglaterra.
Qual a capacidade do projeto de alojamento?
TL: Neste momento, temos disponíveis para comercialização 3 suítes, o que significa que a capacidade máxima será para 6 pessoas, relativamente ao alojamento. No que diz respeito às experiências de enoturismo, gostamos de trabalhar com grupos pequenos para proporcionar uma experiência mais exclusiva e personalizável. Pode ser apenas um casal, duas pessoas, ou até um máximo de 24 pessoas. Dentro deste limite, conseguimos criar experiências bastante interessantes. Fazemos questão de que um dos membros da família esteja presente para fazer o acolhimento, apresentar a Quinta, descrever a história e contar algumas narrativas engraçadas sobre a família. Depois, fazemos a visita e mostramos a Quinta aos visitantes. As nossas experiências não têm limite de horário. Começam a uma hora determinada pelo cliente e depois dependem de como a conversa se desenrolar.

Isso torna cada visita numa experiência especial…
TL: Já tivemos experiências que duram 3, 4 ou 5 horas, e estamos perfeitamente à vontade, porque quando agendamos uma experiência destas, é apenas para aquele grupo, sem marcar outro a seguir. Gostamos de apresentar a Quinta e proporcionar aos visitantes uma perceção do nosso projeto, não só pela sua envolvência e beleza natural únicas, mas também pela sensação de refúgio de tranquilidade, onde podem permanecer e conhecer a Quinta sem stress ou pressa. Queremos que fiquem e aproveitem, e o feedback geralmente é que as pessoas não querem ir embora, pois a experiência é tão positiva e contribui para o seu bem-estar. Este é o maior elogio que podemos receber, saber que proporcionamos um ambiente de calma, tranquilidade e paz.
Têm o primeiro EcoTech Resort. De que estamos a falar?
TL: O primeiro EcoTech Resort. Desde 2015, quando começámos com as primeiras sessões de brainstorming em família, perguntávamo-nos: o que iríamos lançar? Criar? Queríamos algo diferente da oferta existente na região do Douro. Identificámos duas valências extremamente importantes: a sustentabilidade, que é um dos pilares do projeto, e a tecnologia, já que alguns membros da família estão ligados a esta área. Assim, tornou-se essencial termos um pilar assente nas tecnologias.

Como é que materializaram estes dois pilares, da sustentabilidade por um lado e da tecnologia por outro?
TL: São pilares para alavancar a experiência dos visitantes e hóspedes, dos nossos clientes de uma forma geral. No que diz respeito à sustentabilidade, temos um conjunto de práticas que contribuem para a sustentabilidade. Não estamos a falar apenas em termos de gestão de recursos, como a energia, com painéis fotovoltaicos instalados que geram energia diariamente, correspondendo a cerca de 30% dos nossos consumos, sendo o restante injetado na rede elétrica. Em termos de gestão da água, somos totalmente independentes, com água proveniente de poços e furos existentes na propriedade. Portanto, não estamos apenas a falar da gestão de recursos atualmente implementada, mas também da nossa responsabilidade com a comunidade local, trabalhando com produtores locais, especialmente no que se refere aos bens alimentares que servimos na Quinta.
Como é a relação com os agentes locais?
TL: Trabalhamos essencialmente com fornecedores e produtores locais, tentando sempre identificar quem são esses produtores para ajudá-los a desenvolver os seus negócios e criar oportunidades de emprego para a comunidade local. As pessoas que já estão a trabalhar connosco no projeto vivem em Numão ou muito próximo.
E a tecnologia?
TL: Portanto, de um lado temos a sustentabilidade, que é a nossa forte orientação, e do outro lado a tecnologia, que implicou um investimento significativo. Tivemos que realizar todo o projeto de instalação de fibra ótica, pois não existia fibra ótica próxima da nossa Quinta. O nosso parceiro de comunicações teve que trazer a fibra ótica até ao portão da entrada da nossa Quinta. Depois, o investimento foi nosso no interior da propriedade. Fizemos a instalação da fibra ótica de forma subterrânea para conseguir chegar às casas e, neste momento, temos uma internet super-rápida, porque não é partilhada com mais ninguém. É só para uso próprio e, desta forma, conseguimos proporcionar aos nossos visitantes e clientes o acesso à rede.
Este investimento permite melhorar outros setores…
TL: Não usamos papel, não emitimos faturas em papel e não consumimos papel de forma generalizada. Usamos meios de comunicação digitais para contribuir para a economia de papel. A experiência tecnológica é muito positiva, com fechaduras inteligentes que os clientes podem abrir através de uma aplicação no telemóvel. Oferecemos acesso à internet rápida e personalizada, permitindo aos clientes escolherem o horário e os produtos do pequeno-almoço digitalmente. Usamos a tecnologia para personalizar a experiência do cliente, o que faz uma grande diferença. Destaco a distinção que recebemos este ano, o Best of Wine Tourism, que reconhece o contributo da Quinta da Vineadouro para práticas de enoturismo sustentáveis, uma orientação extremamente forte para nós.
E os vinhos da Quinta da Vineadouro?
TL: Os nossos vinhos são feitos com muito cuidado, com uma preocupação especial na recuperação de perfis e aromas que remetem aos vinhos mais icónicos do Douro. Queremos implementar uma filosofia baseada em vinhos com identidade e sentido de lugar, representando na íntegra as parcelas de vinha. Isso resulta em vinhos bastante diferenciados do que existe no mercado. O nosso vinho Clarete, lançado em 2020, na primeira colheita que fizemos, é um exemplo surpreendente dessa abordagem

Surpreendente em que sentido?
TL: Muito surpreendente porque é um vinho com uma história curiosa associada. Inspirámo-nos nos monges da Ordem de Cister, que vieram da Borgonha para a região do Douro no século XII e que tinham como prática plantar as castas todas misturadas. É exatamente assim que as nossas vinhas são.
E perduraram no tempo?
TL: Os durienses mantiveram essas práticas, que aprenderam com os monges, e ainda se encontram em muitas quintas no Douro, principalmente nas vinhas velhas. Este é um vinho que produzimos com cerca de 80% de castas brancas – Rabigato e Síria – e 20% de castas tintas – Bastardo, Casculho, Marufo e Rufete. Dá origem a um vinho com uma tonalidade rubi muito aberta, que faz lembrar o Sangue de Cristo e era usado pelos monges para celebrar a missa. Foi o vinho preferido das elites até os inícios do século XX. Depois, praticamente deixou de ser produzido, mas agora alguns produtores retomaram a produção deste vinho. É um vinho muito diferente, porque tem a frescura das castas brancas e a acidez, além de algum corpo e estrutura das castas tintas. Este é mais um blend feito na própria vinha e segue todo o processo de vinificação das castas brancas e tintas misturadas.
Ainda têm espaço para novidades nos próximos tempos?
TL: Sim. Uma delas tem a ver com a nossa adega do século XIX, onde durante muitos anos se produzia vinho do Porto. Portanto, acaba por ser uma adega-museu muito interessante que vamos requalificar para abrir ao público. Fazemos algumas experiências no interior da adega, que é, de facto, notável. Temos um edifício impressionante, com grandes tonéis e barricas para produção de vinho do Porto. Acaba por ser uma forma de dar a conhecer um pouco da história do Douro e da sua cultura. Temos um projeto para expandir os alojamentos na Quinta, com a construção de unidades individuais em materiais sustentáveis, que ficarão inseridas no olival, em patamares, para constituir uma oferta interessante para quem quer visitar a Quinta e pernoitar.