O Esporão nasceu no Alentejo da vontade incondicional de fazer os melhores vinhos. É essa a motivação que permanece na base de tudo o que faz, agora alargada a outros produtos e territórios.
Texto: Pedro Silva
Fotografias: Fotos D.R.
Aos 32 anos assume a liderança do Esporão, uma marca que já tinha uma preponderância muito significativa no mercado. Que balanço faz destes 15 anos como CEO do Esporão?
JR – Foi uma grande mudança na minha vida desde essa altura. Uma responsabilidade muito grande, com dúvidas relativamente à minha experiência para liderar um projeto e uma equipa tão grande, algo que não tinha feito antes. Um setor que eu gostava muito, mas que não conhecia do ponto de vista profissional a fundo. No Esporão havia um conjunto de condições muito boas, fruto do seu passado, da sua equipa, com um trabalho sólido e muito bem feito, com uma presença no mercado, principalmente em Portugal, forte. Uma base sólida para começar um novo ciclo do projeto. Na altura, aquilo que propus aos acionistas foi projetar a empresa para fora de Portugal. O caminho teria que ser o de internacionalização, que é algo diferente de exportação.
Deveríamos ter uma estrutura internacional com equipas próprias, a trabalhar o mercado a tempo inteiro, coisa que fizemos acelerando a estrutura que tínhamos no Brasil, nos EUA e em Angola. Era importante começar a trabalhar a marca de uma forma um pouco diferente, porque a proposta de valor dos produtos estava muito pensada para aquilo que era o mercado nacional. Achei que se queríamos internacionalizar os nossos negócios teríamos que ter uma proposta de valor capaz de competir com todos os vinhos do mundo. Com vinhos de Portugal isso era ainda mais exigente, porque Portugal, enquanto geografia produtora de vinhos, não ajuda a vender vinho comparativamente com os Italianos, os Franceses ou os Espanhóis.
De facto, a proposta de valor dos nossos vinhos tinha que ser muito forte para chamar à atenção e conseguirmos fazer caminho no mercado internacional. Hoje a empresa é diferente daquela que era há 15 anos atrás. Temos 2/3 das nossas vendas fora de Portugal e somos uma marca reconhecida internacionalmente. Fizemos este processo de transformação para a agricultura biológica, que foi algo central naquilo que era a nova proposta de valor capaz de concorrer internacionalmente. Levar os nossos vinhos para um patamar de qualidade que queríamos, um desenvolvimento contínuo de qualidade, é uma aventura que nunca acaba. Foi também um processo de aprendizagem pessoal enorme, trabalho com pessoas muito capazes, muito talentosas com quem aprendi imenso. Aprendi a liderar, que é um desafio, e aprendi que também gosto disso. Cresci e espero ter conseguido dar ao Esporão tanto quanto o Esporão me deu a mim nestes 15 anos.
São produtores de vinhos e azeites, nas regiões do Alentejo, do Douro e dos vinhos verdes. Tendo em conta esta diversidade, quais são os grandes desafios que sente no dia-a-dia?
JR – Acho que há aqui dois pontos importantes. Primeiro como é que surge a ideia de produzir vinhos fora do Alentejo. Foi uma questão com a qual nós nos debatemos muito. O Esporão acompanhou de perto o princípio do projeto da Quinta do Crasto, onde o David Baverstock esteve a fazer os vinhos e onde ajudámos com a distribuição internacional, nos primeiros tempos. Quando eu cheguei ao Esporão em 2006, nas conversas que ia tendo com as pessoas que estavam a minha volta, relativamente à visão de futuro o tema do Douro apareceu logo, pelo lado do David Baverstock que achava que o Esporão tinha a maturidade para levar para outra região o que aprendeu no Alentejo.
Partindo da ideia que os vinhos do Douro, sendo vinhos mais conhecidos internacionalmente que os vinhos do Alentejo, pudessem alavancar a estratégia de internacionalização que nós estávamos a desenvolver na altura. Ainda demorou algum tempo a ser implementado, porque andámos a estudar opções até chegar à Quinta dos Murças. Começámos a fazer o trabalho necessário na vinha e adega para fazer os vinhos que queríamos e depois iniciámos todo o processo de construção de marca e de distribuição, que tem sido um desafio grande. Acho que subestimámos um pouco esse desafio, até chegarmos à conclusão que precisávamos ter uma equipa totalmente focada e independente para a Quinta dos Murças, pessoas que vivessem diariamente o projeto para ele tivesse vida e identidade própria. E de facto, foi só quando criamos uma equipa de produção, liderada pelo José Luís Moreira da Silva, na Quinta dos Murças, e também com o Nuno Cabral a fazer a parte toda do mercado, é que o projeto deu um avanço grande. O Assobio cá em Portugal começou a fazer o seu caminho e a crescer a um ritmo acelerado sendo hoje uma das 10 maiores marcas do Douro no mercado português. Aprendemos que quando se começa um projeto deve dar-se recursos próprios para se poderem desenvolver. No Ameal não vamos repetir esses mesmos erros. Na Sovina também estamos a dotar esse projeto de uma liderança própria, com recursos próprios.
O Esporão é uma referência ao nível da sustentabilidade ambiental, capaz de oferecer experiências e produtos únicos, como o vinho biológico. Como define este percurso?
JR – Achamos que é o melhor do ponto vista qualitativo. Se pensarmos o que é que um vinho não biológico, percebemos que é um vinho que utiliza produtos químicos para fazer o controlo das ervas (herbicidas), doenças e pragas (pesticidas). Esses produtos químicos o que fazem é também matar a biodiversidade dos solos. Os micro-organismos são uma parte essencial da vida de um solo, ou seja, são eles que transformam o solo, que lhe dão matéria orgânica e fertilidade. Isto em conjunto com as pedras, com a água e com as plantas que se vão decompondo no enrelvamento. Este sistema, que é natural, não funciona sem micro-organismos. Essa microfauna é essencial para a vida no solo. Logo a partir daí perguntamos: mas será que é possível ter um solo e plantas saudáveis, boas uvas e grandes vinhos sem esta biodiversidade? Acreditamos que não. Se pensarmos bem, possível é, mas é um ciclo destrutivo onde o homem tenta substituir a natureza…
Este é um processo que nós conhecemos bem pois foi o nosso modelo até 2006 e concluímos que não estava a funcionar. Os níveis de fertilidade estavam a baixar, a qualidade da nossa agricultura estava a baixar e nós estávamos a incorporar cada vez esforço. Portanto, sentíamos que estávamos num ciclo destrutivo e tínhamos de mudar. Iniciámos um processo de mudança, testando opções, aprendendo, criando novas capacidades e consequências. Além da equipa do Esporão e de outros produtores que visitámos, conhecemos o Claude Bourguignon e o trabalho que fez com alguns dos produtores mais reconhecidos do mundo. O laboratório dele estuda a qualidade dos solos, com enfase nos micro-organismos, dando uma base científica e técnica sólida às decisões.
Do ponto de vista de sustentabilidade ambiental, usando produtos químicos que levam solo a matar a biodiversidade, que poluem os solos porque deixam toxicidade química dentro deles, que depois vai ser lixiviado com água que vai para os lençóis freáticos e ribeiras, nas quais encontramos algum destes compostos químicos durante 30 ou 40 anos até se decomporem. Um solo que não tem microrganismos, é um solo que tende para a mineralização. Isto é uma coisa preocupante porque o solo, água e o sol são a base da vida na Terra. Estes temas são essenciais por estarem ligados à qualidade de vida e saúde das pessoas.
Por outro lado, em 2006, quando nós começamos a fazer isto eramos uma empresa consolidada. Fazíamos 28 milhões de euros de vendas, éramos líderes em Portugal, éramos uma empresa respeitada, reconhecida, não havia nada errado e parecia estarmos a tentar arranjar uma coisa que não estava estragada. Mas acreditámos que seria um processo de mudança para melhor. Este processo começou em 2007, em 2015 lançámos o Esporão Colheita já certificado Bio, em 2019 recebemos a certificação de toda a área de vinha do Alentejo e em 2021 do Douro. Foi um processo feito com tempo para apreender e minimizar os riscos. Foi sempre importante o foco no objetivo de melhorar a qualidade, e não o contrário. À exceção do Ameal, que ainda não iniciou esse processo, hoje só produzimos uvas biológicas. Dividimos o nosso portefólio entre marcas que são feitas 100% com uvas nossas, e por isso biológico, e marcas que incorporam uvas compradas, não biológicas. Estamos a trabalhar com alguns nossos produtores, tanto de uva como de azeitona, na transição para biológico. De azeitona estamos mais avançados. Mas achamos que isto só faria sentido a partir do momento em que nós tivéssemos este modelo bastante consolidado e que pudéssemos conhecer melhor o mercado e as oportunidades que nós achamos que existem materializarem-se. É importante dar essa confiança aos nossos parceiros para conseguirem por em curso a transição que eles precisam fazer e dar-lhes o apoio financeiro para que isso aconteça.
Recentemente apresentou o primeiro Reserva biológico, o Esporão Reserva Branco 2019. Qual a importância que a produção de vinho biológico assume para si e como descreve este Esporão Reserva?
JR- Tem o simbolismo do primeiro vinho que o Esporão fez em 1985 passar agora a ser biológico. Nós sempre achamos que nesta questão (transição para biológico) ficaria aquém e, até seria estranho, se tivéssemos pegado em 2ha de vinha e feito um vinho biológico, ficando todo o resto em agricultura convencional. Para nós o biológico tem a ver com uma forma de produzir que é melhor. É melhor na sua abrangência, no seu aspeto qualitativo do produto, no seu aspeto ambiental, no aspeto da saúde. E se achamos que ele é melhor, então queremos implementá-lo em toda a produção e não apenas em 2ha de vinha para aparecermos com um vinho biológico no mercado. De facto, o Esporão Reserva, que é um vinho icónico no Esporão e que tem uma base de produção muito grande do ponto de vista de produção das uvas do Esporão, ter passado a biológico quer dizer que, de facto, as uvas da Herdade do Esporão passaram todas a biológico. Agora vai sair o Esporão Reserva Tinto 2019 que também é biológico, o Esporão Private Selection 2019 que também é biológico, portanto todos os vinhos da gama Esporão que começam pelo Esporão Colheita que já é biológico desde 2015, até ao Esporão Reserva e ao Esporão Private Selection… Ainda vamos lançar, este ano no mercado internacional, e para o ano em Portugal, o Monte Velho biológico com as uvas que ainda temos disponíveis de produção própria.
O Esporão, nos dias de hoje, não é só Alentejo. Tem desenvolvido outros projetos a norte de Portugal. Há 13 anos que marcaram presença no Douro com a aquisição da Quinta dos Murças, e na região demarcada dos vinhos verdes, desde setembro de 2019 com a Quinta do Ameal. O que podemos esperar destes dois projetos?
JR – Os investimentos que o Esporão fez nestes últimos anos dão-nos trabalho para fazer para a próxima década… São projetos específicos de construção de portefólio nas três regiões mais importantes internacionalmente. Estes projetos ainda são pequenos e nós vemos aqui uma grande oportunidade. Vamos estar concentrados no desenvolvimento deles, tanto dos Murças como do Ameal, assim como na Sovina também cá em Portugal, embora mais condicionado com o desenvolvimento do avanço dos hábitos de consumo de cerveja artesanal.
A transição do portefólio do Esporão para o biológico abre-nos também oportunidades em mercados onde temos uma presença tímida como, por exemplo, os mercados nórdicos. e em mercados onde estamos melhor posicionados como os Estados Unidos e o Canadá, onde o biológico está a crescer muito. Nós sabemos que o mercado biológico está a crescer a um ritmo três vezes maior que o mercado de vinhos e que isso vai continuar a acontecer nos próximos anos. Estamos preparados com o trabalho que foi feito nos últimos 10 anos para dar resposta a essas oportunidades.
O Enoturismo é algo que está bem presente na Herdade do Esporão, na Quinta dos Murças, Quinta do Ameal e com o projeto Esporão no Porto. Que experiências encontramos ao visitar cada um destes espaços?
JR – Na Herdade do Esporão temos um centro de visitas bastante completo e inovador, com um restaurante a funcionar todos os dias, um dos poucos verdadeiros farm to table que conheço em Portugal, com uma equipa muito talentosa e completa e com uma experiência muito especial do ponto de vista de gastronomia, que depois cruza, obviamente, com os nossos produtos e todo o ambiente de Herdade do Esporão. Poderão ser feitas visitas às caves, provas de vinhos, temos a loja, visitas ao lagar de azeite, visitas ao campo ampelográfico. Toda uma oferta que está bastante trabalhada e no local mais emblemático do Esporão. Depois temos as casas da Quinta dos Murças e a Quinta do Ameal, que do ponto de vista de oferta são parecidos, ou seja, são casas de quinta que foram recuperadas e abertas ao público. Têm 5 quartos que poderão ser alugados e uma oferta de provas de vinhos, de visitas e de refeições, caso as pessoas pretendam. São casas que podem ser alugadas por um grupo privado ou quartos que são alugados individualmente. Até agora temos olhado para o Enoturismo como uma ferramenta importante para viver os nossos valores, a nossa maneira de fazer, a experiência e o contacto com as marcas, mais do que propriamente uma área de profit center. Tem um impacto grande na nossa marca, uma vez que no Alentejo passam cerca de 20 a 25 000 pessoas por ano de todos os mercados e de todos os sítios do mundo.
A Sovina foi pioneira no conceito de cerveja artesanal em Portugal. Porquê a aposta neste setor de cervejas premium?
JR – Nós acompanhamos aquilo que foi o caminho que as cervejas artesanais fizeram nos mercados à volta do mundo. Na Europa temos um setor de cervejas muito antigo e nos mercados mais do Norte, uma cultura de cerveja que permite existirem 200 a 300 marcas de cervejas. Achamos que o consumidor português começa a interessar-se mais por cerveja e a estar disponível para pagar mais por uma cerveja melhor. Achamos também que o Esporão poderá acrescentar algo neste setor por duas razões muito especificas: por um lado, pelo facto de ser uma empresa agrícola e de podermos trabalhar este lado agrícola nos componentes da cerveja e chegar com uma oferta e uma proposta de valor diferente daquela que existe no mercado. Isto é um trabalho que está em curso. Por outro o lado, a capacidade de distribuição em Portugal, onde o Esporão é acionista a 50% da principal distribuidora de bebidas alcoólicas, a Prime Drinks, onde não existia nenhuma cerveja artesanal. É um mercado muito competitivo, com muitas marcas que dominam e com muita gente a fazer coisas novas. A cultura da cerveja artesanal é muito específica, diferente da do vinho. Estamos também aí a adaptarmo-nos e a criar identidade própria, a criar a forma própria de trabalhar da Sovina. É um projeto a longo prazo, que vai fazer o seu caminho, muito semelhante aos azeites que começámos nos anos 90 e que hoje são um projeto que é importante para nós.
Depois do sucesso da loja online de Natal, o Esporão volta a abrir a sua loja virtual. Sente que desta forma consegue estar mais próximo e antecipar as necessidades dos consumidores?
JR – Sim. A compra online vai continuar a crescer. A compra de vinho online também. Nós olhamos para a nossa loja virtual como um veículo de aprendizagem daquilo que são os hábitos de compra das pessoas, mais pelo lado da proximidade, da construção de marca, do que propriamente pelo negócio, uma vez que é muito pequeno. Nós acreditamos que a compra online vai continuar a ser feita, mas mantendo alguns hábitos de compra que o consumidor tem. O consumidor de vinhos em Portugal compra vinho para levar para casa quando vai fazer as compras de semana. Compra vinho dentro de um pacote, onde está lá o vinho também. A perspetiva que pós Covid as pessoas vão comprar a multiplicidade de produtores, não me parece plausível. Acho que vão continuar a comprar centralizado num ou dois fornecedores. E é obvio que quem vai fazer isto são os mesmo que hoje em dia já o fazem offline, que são os retalhistas, os nossos clientes. Portanto, a nossa grande aposta não foi na nossa loja online, mas sim no reforço e na ativação desses canais online com os nossos clientes. E dizer aos nossos clientes: nós acreditamos que são vocês que vão fazer isto, e nós queremos ser o vosso melhor parceiro no desenvolvimento deste canal.
A nossa loja surgiu para ativar um pouco estas ofertas de Natal. E depois do Natal mantivemos a loja ativa com oferta de Gifting. Talvez seja interessante começar a trabalhar aqui uma parte de vinhos velhos ou de garrafeira. Há aqui alguns aspetos que podem ser interessantes desenvolver, que não são concorrentes com os nossos clientes e que só nos é que possamos fazer.
Em maio de 2019 criaram o manifesto, Mais.Devagar. É a natureza que marca o ritmo da vida?
JR – Nós dizemos que sim. Estamos numa empresa que faz produtos que vêm da natureza e que aceitamos isso. Lidamos com o sol, a chuva, os animais, as intempéries, as doenças. Tudo isto vem da natureza. Se na indústria dos vinhos não compreendemos e aceitamos que isso é assim, então estamos na indústria errada. Tem que se gostar disso. Olhando para o ritmo das coisas, para o tempo, para a velocidade, achamos que isto era muito interessante. Estávamos todos a andar rápido demais, a atropelar os dias e o presente a passar-nos ao lado. Estamos numa indústria que demora dois anos a fazer um produto, num país em que as coisas andam ao seu ritmo.
O tempo é uma coisa rara, preciosa. Achamos que o que é feito mais devagar também é melhor, tem outra atenção.
A Herdade do Esporão é reconhecida como uma das marcas de vinho mais admiradas em Portugal e no mundo. Que novidades podemos esperar para os próximos anos?
JR – Se pensar num cenário daqui a 10 anos, gostava de ver que o Esporão é cada vez mais reconhecido internacionalmente pela qualidade dos produtos que faz. Pela associação que será feita ao Esporão como um produtor de referência de produtos biológicos e o vanguardismo que tivemos nesse aspeto. Gostava que os projetos em que investimos agora, na Quinta dos Murças, na Quinta do Ameal e na Sovina tenham sucesso. Se isso acontecer para a empresa será um avanço substancial. Não queremos ser um conjunto de empresas. Queremos ser um projeto só, coerente com uma marca que tem determinados valores e uma determinada maneira de fazer as coisas. Sabemos que esse é um caminho mais longo. Nós vendemos hoje mais ou menos as mesmas garrafas de vinho que vendíamos há 10 anos atrás, o nosso crescimento foi à base da criação de valor e não a partir de vender mais garrafas de vinho. É nisto que estamos focados, pois o mundo não precisa de mais vinho que não seja relevante e acrescente algo à vida das pessoas.