Ermo é um projeto pessoal de Mariana Roque do Vale que reúne algumas das suas maiores paixões: vinhos que contam uma história sobre o lugar onde foram produzidos, o respeito pela natureza, o design e a arquitetura. Com uma abordagem curatorial, Ermo é um projeto pioneiro, de carácter autoral, feito de entusiasmo, deslumbramento e rigor, unindo vinho, arquitetura, paisagem e cultura. Desde o início, a intenção foi levar os vinhos alentejanos mais longe, criando vinhos de baixa intervenção, de produção limitada, que aliam o melhor dos solos do território, o melhor das pessoas, viticultura de precisão e enologia de carácter.
Texto: Pedro Silva
Fotografias: Fotos D. R.
A Mariana nasceu e cresceu no seio de uma família de produtores de vinho. Licenciou-se em Direito e fez um percurso internacional. O que a fez voltar às “origens”?
MV- A minha família sempre esteve ligada ao setor agrícola, nomeadamente ao setor dos vinhos. Foi sempre um setor que acompanhei desde pequenina. No entanto, acabei por licenciar-me em Direito. Trabalhei na banca, em Portugal e no estrangeiro. Sempre acreditei que mais tarde iria trabalhar com vinho. Quando voltei de Londres para Portugal, há cerca de 6 anos, decidi que era o momento de trabalhar no setor do vinho. Era a minha paixão. Era importante para mim ter alguma continuidade no trabalho desenvolvido pelo meu pai e pela minha mãe no Alentejo. Foi a paixão, aliada a este sentido familiar, de legado, que me fez avançar há cerca de 3 anos.
O que pretende que seja o seu projeto Ermo?
MV- Espero que o Ermo possa ser um projeto de referência, no Alentejo e em todo o país. Quando decidi formar este projeto tinha tudo muito bem pensado. Lancei o Ermo em novembro no Encontro com Vinhos. Três anos antes o projeto já estava definido, com quem queríamos desenvolve-lo, o que necessitávamos, onde queríamos estar…foi tudo muito pensado. O que espero que aconteça é que o Ermo seja um projeto de referência e não apenas mais um projeto. Gostaria de trazer, para além da qualidade dos vinhos que é o mínimo que se espera de um produtor, gostava de trazer uma visão um pouco mais arrojada e, diria, mais internacional. Trazer um pouco da minha experiência internacional noutras áreas para o negócio dos vinhos. Acho que o vinho ainda tem muito para desenvolver. Não basta ter vinhos bons, é preciso muito mais que isso. Toda a parte de comunicação, de marketing, de imagem, tudo isso é muito importante. Por outro lado, também tenho outra grande paixão que é a arquitetura. Queria também poder ligar um pouco dessa paixão que tenho ao mundo dos vinhos. Espero que consiga fazer e bem.
Quando refere arquitetura ligado ao vinho seria algo relacionado com enoturismo?
MV – Sim, com certeza. Sempre tivemos na cabeça fazer um projeto de enoturismo no Alentejo. Aliás, está pensado e praticamente aprovado. Ainda não o começámos a fazer pois, para além de inúmeras burocracias, estamos a viver um momento muito difícil face à invasão da Ucrânia (no que respeita ao setor de construção em concreto, ruptura de materiais, aumento galopante dos preços dos empreiteiros e das matérias primas), mas sim, já está projetado o nosso plano para o enoturismo no Alentejo. Vamos ter uma outra coisa, esse sim muito em breve – ainda este ano – em Lisboa. Creio que é muito bom termos ligações entre as diferentes regiões. O vinho só ganha quando partilhamos conhecimento em diferentes regiões entre os diferentes produtores. Vamos poder ter um lugar que acredito ser muito especial onde iremos poder partilhar vinhos, convidarmos outros produtores para fazermos partilha de vinhos e poder liga-lo com a arquitetura, arte e cultura.
Como surge a escolha do nome Ermo?
MV – Foi uma escolha muito engraçada. Não pensei muito. Aliás fomos até à propriedade, à Quinta D. Maria, na Serra do Mendro, na Vidigueira. Estávamos debaixo de uma árvore, a olhar para as vinhas e para o rio e, de facto pensámos, isto é mesmo um ermo. No fundo, é no meio do nada, um lugar que nos transmite calma, onde encontramos o tempo e o espaço, onde nos podemos refugiar para encontrar paz.
“ERMO é a expressão da vontade de dar continuidade a um legado, mas também a ambição de trazer para o mundo dos vinhos um novo Alentejo, uma nova história e uma nova visão”.
Pensei que talvez pudéssemos ter Ermo como marca. Lembro-me perfeitamente de comentar este nome com algumas pessoas e uma delas (até bastante ligada ao mundo dos rótulos de vinho) referiu “mas ermo tem uma conotação algo negativa, é um buraco, onde ninguém quer ir”. Pensei nada melhor que pegar numa palavra com uma ideia negativa e transformar em algo positivo. Ermo é o espaço onde podemos pensar, estarmos sozinhos, tem a calma, a tranquilidade, que aquele lugar nos pode dar, onde ao mesmo tempo podemos levar tanta coisa e tanta vida para lá. Queríamos também um nome pequeno, que fosse fácil de se pronunciar, pensando em Portugal e, naturalmente, lá fora. Creio que se juntou a beleza do nome com a utilidade.
“Joana Pinhão, representante da mais inspirada nova geração de enólogos nacionais, e com uma importante experiência internacional junto de algumas das maiores referências mundiais da enologia, traz a sua criatividade, foco e brilhantismo aos vinhos Ermo”.
A Mariana define-se como uma produtora de mínima intervenção?
MV – Se entendermos por mínima intervenção respeitar o terroir sim. Mais do que trabalhar-se na adega eu acredito que a terra é o mais importante, tudo começa na terra. Sem boas uvas dificilmente os enólogos fazem bons vinhos. Enquanto que com boas uvas, os enólogos podem fazer excelentes vinhos. Por isso, sim, vinhos com mínima intervenção no sentido de respeitar o terroir e a região, fazendo apenas a mínima intervenção necessária. Quando sabemos o perfil que queremos para os vinhos, o terroir onde estamos inseridos é o mais muito importante. Para isto contamos com a Joana Pinhão que aceitou este nosso desafio no Alentejo, local onde não tinha trabalhado e que acredito desde o início que aportaria o seu lado mais aberto e arrojado.
A família Roque do Vale tem anos de saber e de experiência no mundo do vinho, vividos numa ligação profunda ao Alentejo, à sua paisagem, às suas pessoas, à sua cultura e tradição. Procura seguir o seu legado ou fazer algo diferente?
MV – Em relação ao legado, procuro sempre seguir o rigor. A minha mãe foi uma das primeiras mulheres no mundo dos vinhos. Quando ela começou era um setor dominado por homens e era de um rigor enorme em tudo o que fazia, não balançava. Tinha a visão dela e ia em frente com as suas convicções. Também aprendi com os meus pais a calma que é preciso ter nos projetos. Não vale a pena queremos que tudo aconteça num dia. É preciso pensar a longo prazo. É preciso pensar o que queremos daqui a 10, 20 ou 30 anos ou 50 anos. É muito difícil construir uma marca, mas é muito fácil destruir essa mesma marca. Portanto, é necessário pensar longe, a longo prazo.
“ERMO é um projeto a várias vozes, traçado na génese em conjunto por Mariana Roque do Vale e Joana Pinhão. Como enóloga, Joana Pinhão traz o melhor do sangue novo da enologia nacional ao projeto, preparada para levar o ERMO ainda mais longe”.
A nossa visão é clara. Respeitar acima de tudo o terroir, fugindo, acredito, àquele Alentejo que ainda tanto está associado a vinhos com elevados graus de teor álcool, com muita extração, madeira sempre muito presente. Queremos acima de tudo, mostrar um Alentejo mais fresco e elegante. Apesar de o Alentejo ser a região mais quente de Portugal, é possível fazermos vinhos frescos, muito elegantes – aliás até mais do que noutras regiões – sendo que no nosso caso o terroir e características das nossas propriedades assim o permitam. O Alentejo é uma região enorme e a localização exata de cada propriedade é única, com o seu próprio solo e clima.
Que características podemos encontrar no seu Ermo?
MV – Pode encontrar vinhos que respeitam o seu terroir, a região de onde vêm. Vinhos com a mínima intervenção possível, vinhos elegantes e que revelam a frescura do Alentejo, com menos extração e que fogem ao Alentejo tradicional. Talvez ir buscar aquilo que já foi o Alentejo há muitos e muitos anos.
Qual é a sua visão do mercado nacional de vinhos?
MV- Creio que poderemos melhorar imensamente o posicionamento das marcas. Portugal tem vinhos ótimos e por vezes temos receio de posicionar os vinhos onde eles têm que estar quando em provas cegas nao ficam atrás – pelo contrário- de outras regiões que tão bem sabem posicionar os seus vinhos. Temos que ter vinhos que têm que ser melhor reconhecidos, mais valorizados. E oferecer o que de melhor temos, que é a nossa essência, as nossas castas. Creio que por vezes há uma falha porque queremos oferecer algo que não é portugues. Muito se fala no Syrah que, aliás, é uma casta que gostamos bastante e que sabemos que é tão apreciada pelo mundo dos vinhos em geral, questiono-me de devamos plantar essa casta? Por visão e estratégia optámos por não cultivar essa casta, precisamente porque temos tanta coisa boa portuguesa para mostrar, que acredito que é por aí que temos que ir, mostrar mais as nossas regiões, o nosso Portugal, com mais partilha de conhecimento entre produtores, onde poderemos crescer imenso, quer os produtores quer o país.
O que poderemos esperar do Ermo nos próximos anos?
MV- O Ermo é um projeto que nasceu há muito pouco tempo. São edições limitadas. Não quero ser um enorme produtor, não é isso que pretendo. Quero, acima de tudo, continuar a fazer vinhos sérios e que os consumidores gostem. Quero estar muito perto dos clientes. É muito importante. Com o passar do tempo, por vezes, as marcas perdem essa ligação. Tenho isso muito bem definido e quero que o Ermo esteja sempre muito perto dos consumidores. Acredito que mesmo quando a marca está consolidada durante anos, não se pode perder esse elo de ligação e de proximidade com os consumidores. Espero poder continuar fazer coisas arrojadas. Quero que olhem para o Ermo como um projeto sério, ancorado numa “nova forma” de fazer vinhos, respeitando sempre o que de melhor que temos que é o terroir, as nossas regiões e as pessoas. Para isso contamos não apenas com a nossa equipa interna mas também com os profissionais do setor (sommeliers, garrafeiras, restauração, lojas, revistas…) e consumidores que nos têm recebido de braços abertos, sempre aptos para conhecerem novos projetos.