Situada na margem esquerda do Douro, ao chegar a Ervedosa, a Quinta de Ventozelo é das mais bonitas e impressionantes da região. Este vasto anfiteatro sobre o rio são “as portas do silêncio do Douro”, onde o tempo parece correr mais devagar. A tranquilidade e a ligação plena à Natureza são o valor intangível principal desta Quinta.
Texto: Pedro Silva
Fotografias: Fotos D. R.
Jorge Dias, administrador da Ventozelo Hotel & Quinta em entrevista à Wine Book Magazine.
A Quinta de Ventozelo dá o mote à expressão: O Douro numa quinta. É aqui que tudo começa?
JD – Tudo começa no Douro! E quando chegámos a Ventozelo e nos deparámos com a sua espessura histórica, a diversidade ecológica, a dimensão da propriedade e a riqueza patrimonial, dissemos que em Ventozelo cabia todo o Douro. Daí a expressão “ Ventozelo – o Douro numa quinta”.
Em 2011, a Gran Cruz passou a gerir por completo a propriedade. O que mudou?
JD – Em termos de gestão, diria que mudou tudo. Investimos na reestruturação da vinha, na produção de uma série muito alargada de vinhos, inclusivamente monovarietais com objectivos pedagógicos, e no enoturismo. Sempre com grandes preocupações em termos de sustentabilidade ambiental e económica, com respeito pela memória dos lugares.
Acrescentar valor e contribuir para o crescimento do mercado é o foco?
JD – São duas faces da mesma moeda. Só conseguiremos acrescentar valor se alargarmos o mercado e este não pode ser ganho à custa do preço. Se assim for, o Douro entra numa espiral descendente. Ao contrário, é necessário aumentarmos os preços para podermos criar valor ao longo de toda a fileira e tornar o Douro mais sustentável, inclusivamente na dimensão social.
O mercado português reconhece a plasticidade do Vinho do Porto?
JD – Não tanto quanto gostaríamos. É uma atitude que também depende de cada um de nós, nas nossas relações sociais, mas não chega. Seria necessário investirmos colectiva e massivamente na comunicação de novas formas e momentos de consumo, nomeadamente nas possibilidades que o Vinho do Porto abre à criação de cocktail’s e long drinks.
Ventozelo abre as portas ao Douro com uma forte aposta no Enoturismo…
JD – Efectivamente foi uma aposta forte, porque considerámos que conseguíamos explicar e mostrar o Douro numa Quinta. Com uma oferta diferenciadora, muito ligada à natureza e ao mundo rural, autêntica! Afinal, não fizemos mais do que valorizar o que já tínhamos e sermos autênticos. E quando assim é, a procura aparece e reconhece o valor do que estamos a oferecer no mercado.
“O terroir que temos em Ventozelo, está definido como um dos melhores locais para produzir vinhos tintos do Porto”
José Manuel Sousa Soares, é desde 2009 diretor de enologia do grupo Gran Cruz
Pode explicar o vosso projeto vitivinícola?
JS – O primeiro desafio que temos está diretamente relacionado com o facto de sermos o maior grupo exportador de Vinho do Porto. Temos em stock mais de 70 milhões de litros de vinho durante o ano. O principal objetivo é que essa quantidade de vinho esteja sempre disponível para os nossos compradores. É o grande desafio do meu grupo de trabalho, composto por 5 enólogos. Eu sou apenas a “cabeça” e, é assim que me gosto de ver, como chefe de uma equipa.
O nosso projeto passa também por aproveitar da melhor forma os vinhos que a natureza nos vai dando ao longo dos anos, uns para envelhecer, outros para por no mercado, para fazer lotes, para obter vinhos que sejam característicos das zonas onde trabalhamos, no fundo, que representem bem os vários terroirs. Então aqui em Ventozelo, isso é fundamental.
A nível internacional temos uma grande responsabilidade. Para nós é importante termos um contacto próximo com o consumidor de vários países. É essencial ir ao encontro das necessidades que o mercado tem.
Como é o seu trabalho enquanto enólogo?
JS- O trabalho que faço realiza-me totalmente. Conseguimos produzir vinhos de lotes muito grandes e que precisam de ser repetidos várias vezes ao ano, portanto, terão uma visão mais “industrial” na produção de vinho, mas ao mesmo tempo, temos os vinhos que são oriundos de pequenas quantidades, pequenos lotes, como acontece no Vinho do Porto, quando descobrimos no stock que poderão constituir algo diferenciado. Exemplo disso são os nossos vinhos Dry White Velhos. Era algo que não existia no Vinho do Porto. Começamos a explorar esta vertente há cerca de 10 anos atrás.
Ventozelo corresponde à experiência de entrar numa quinta muito grande, com terroirs muito diferentes, em que era necessário, em primeiro lugar conhecê-los, para que os pudéssemos potenciar. Aproveitando essas uvas da melhor forma, produzimos melhores vinhos. Não é algo fácil nem imediato, mas que temos vindo a fazer ao longo destes 7 anos. Tentamos tirar o máximo partido do clima, do solo na sua exploração propriamente dita.
Haverá novidades?
JS – Este ano vamos continuar a apresentar vinhos monovarietais. Penso que isso é interessante para o consumidor conhecer, tendo por base este terroir, como cada uma das castas se apresenta, com as suas diferenças. Por outro lado, continuaremos a fazer os nossos blends de modo a obter sempre a melhor qualidade possível com as uvas que temos na quinta.
E o terroir de Ventozelo?
JS – O terroir que nós temos em Ventozelo, está definido como um dos melhores locais para produzir vinhos tintos do Porto, segundo o Engenheiro Moreira da Fonseca. Esta zona, junto ao Pinhão, foi classificada como a melhor zona de produção para esse tipo de vinhos. Na verdade, a Quinta de Ventozelo não tem um só terroir homogéneo. Temos 200ha de vinha. É um anfiteatro virado a poente, mas que tem parte das vinhas exposta a sul, a norte…tem quase todas as exposições, porque depois é entrecortada com diversas linhas de água que vão dando uma ondulação própria à topografia da quinta. Para além disso, a Quinta de Ventozelo como já tem muitos anos de exploração, tem formas de exploração da vinha muito diferentes. Essa conjugação, dos fatores climáticos e dos fatores morfológicos da vinha, tem muita importância na qualidade que as uvas têm quando chega a altura da vindima. É aproveitando essa qualidade intrínseca das uvas, de modo a otimizar a qualidade da nossa produção e dos vários terroirs que a quinta tem, que se produzem vinhos de excelência.
Há mais modernização ou tradição?
JS – Quando chegamos à Quinta de Ventozelo em 2014, havia algumas áreas com castas internacionais, como o Cabernet ou o Merlot e, havia ainda Syrah. Esta última consideramos que se adaptava muito bem às condições da quinta, no local onde se encontrava plantada. Quanto às outras duas castas, não achamos que trouxessem mais valias aos vinhos que produzimos, por isso resolvemos substitui-las. Por outro lado, também tínhamos uma área de vinha que já estava em fim de vida, onde tivemos que reestruturar, uma área aproximadamente de 40ha. Todas as outras vinhas são de finais dos anos 90, e estão ainda em plena produção. Não sofreram qualquer alteração. Chamo a atenção para uma parcela de 4ha, que apelidamos da vinha do Chorão, que é uma zona que foi reestruturada de uma forma especial. Tentamos adaptar a instalação da vinha utilizando métodos tradicionais, com o objetivo de termos aqui na quinta, uma vinha com castas misturadas sem utilização de trator, por forma a termos um exemplo daquilo que seria a vinha há 50 anos atrás.
Que vinhos pretendem apresentar mais tarde?
JS – Ainda temos alguns vinhos monocastas que queremos apresentar. Estamos a preparar a apresentação de um vinho do Douro Tinta Barroca e um vinho do Douro Alicante Bouschet. Veremos se, entretanto, poderão surgir outros vinhos. Nos vinhos brancos também queremos apresentar e estender os vinhos monocastas ao Rabigato e também ao Gouveio. Ainda são plantações relativamente recentes, portanto ainda vamos ter que esperar uns anos para fazermos esse vinho. Temos uma pequena área de Moscatel, onde temos feito Moscatel Generoso. Esperemos poder apresenta-lo num futuro próximo. No Vinho do Porto, contamos, para já, como os LBV e os Vintage. Com o aumento do stock e o envelhecimento dos vinhos, passaremos a ter outras categorias do Vinho do Porto.
“É nos nossos espaços que temos a oportunidade de dar a conhecer as marcas na sua plenitude, ainda para mais num espaço cheio de sensações como é Ventozelo”
Elsa Couto, diretora de comunicação
Que importância assume o enoturismo em Ventozelo?
EC – A nossa relação com o cliente não pode terminar quando as nossas garrafas saem das nossas portas. Há necessidade de criar uma ligação forte com os consumidores. O enoturismo é a ferramenta perfeita para o fazermos. É nos nossos espaços que temos a oportunidade de dar a conhecer as marcas na sua plenitude, ainda para mais num espaço cheio de sensações como é Ventozelo. Pretendemos valorizar os nossos produtos com tudo o que lhes está interligado em termos de experiências enoturisticas.
O lançamento da coleção Douro Duet Collection da Quinta de Ventozelo, é enoturismo ou uma experiência vínica?
EC – Ambos. De facto, as experiências não podem ser separadas. Ontem provámos dois lançamentos na nossa gama de vinhos DOC Douro Quinta de Ventozelo, mas com esta vantagem, que é de podermos receber as pessoas na nossa própria casa. Assim, além de darmos a conhecer os vinhos, quem esteve connosco teve igualmente a oportunidade de conhecer o projeto de turismo de Ventozelo. Portanto, tudo isto acaba por ser um círculo que se fecha muito bem e que poderá ser poderoso se o soubermos aproveitar, ou seja, transmitindo os valores que queremos nas nossas marcas e nos nossos serviços.
Depois vem a arte e as iniciativas como a exposição da Graça Pereira Coutinho…
EC – Quando chegamos a Ventozelo encontrámos uma espessura histórica fantástica, com um património histórico único. A história da Quinta de Ventozelo é muito rica. Remonta a anos próximos de 1500. Nada disto faria sentido se realmente não tivéssemos esta ligação à cultura e à história, que estão aliás plasmadas no Centro Interpretativo. Não é por acaso que o Centro Interpretativo está no coração de Ventozelo.
O projeto de arte e dos ciclos de exposições ocorre no âmbito da Associação Amigos de Ventozelo, recentemente renovada. Revela-se muito importante importante para dinamizar o Centro Interpretativo e Ventozelo, mas também a própria região, com uma oferta de arte distinta. As exposições têm entrada gratuita e estão disponíveis para quem está alojado em Ventozelo e para quem vem de fora apenas como visitante.
Ventozelo continuará a inovar?
EC – Sem dúvida. Temos previsto um grande dinamismo em torno das exposições dos Amigos de Ventozelo. Hoje temos a exposição da Graça Pereira Coutinho, mas de futuro teremos mais exposições com outros artistas. Isto será uma grande novidade para o ano de 2022. Depois temos questões mais concretas a nível da oferta de enoturismo. Não nos podemos esquecer que abrimos em 2019 e depois fomos apanhados nas redes da pandemia. Muito do que estava previsto teve de ser suspenso, como por exemplo, os programas de vindima que no pico do Covid que foram todos cancelados. Vamos querer reativar os programas vitivinícolas que envolvam uma forte interação com os hóspedes e os visitantes… Vamos abrir as portas de Ventozelo com uma série de actividades ligadas ao mundo rural, à natureza e à cultura, disponíveis não só para quem vem de fora e fica em Ventozelo, mas também às pessoas que vivem na região.
“O Douro é uma região vinícola, não é uma identidade gastronómica”
Chef Miguel Castro e Silva, Cantina de Ventozelo
Gastronomia e vinho são um Win-Win?
MCS – Pegando na ideia: o Douro numa Quinta, comecei a pensar naquilo que poderia fazer aqui. Cozinha do Douro? O que é a cozinha do Douro? O Douro é uma região vinícola, não é uma identidade gastronómica. Tenho estado a fazer uma aproximação, ou mesmo criar parcerias com vários produtores aqui da região para que se possa conhecer os vários produtos que cá se fazem. E claro, o vinho e gastronomia estão muito ligados.
O projeto gastronómico que encontramos na Cantina de Ventozelo é um Farm-to-table?
MCS – Esse é um termo que virou moda há algum tempo, há cerca de 2 anos a esta parte. Fomos considerados um dos top 3 do mundo no National Geographic Traveller Hotel Award em 2021, o único para Portugal. Tenho vindo a perceber que as pessoas se identificam com o conceito que estamos a criar. Gostaria que as pessoas passassem por aqui e levassem uma história.
Quando se fala em sustentabilidade, para nós é importante, mas que também seja assim para os nossos parceiros. Quanto melhor for o projeto deles, melhor o produto que me podem fornecer, numa perspetiva de sustentabilidade social.
O que ainda falta fazer?
MCS – Estamos a dar os primeiros passos neste projeto. Diria que está quase tudo por fazer. Estes 2 últimos anos, foram anos muito complicados. É necessário estabilizar toda a equipa com quem trabalhamos. No Porto e Gaia não senti tanto isso, porque tenho equipas que trabalham comigo há mais de 10 anos. Estamos a desenvolver aqui a nossa horta que é um projeto recente. Começou a produzir em maio do ano passado. É necessário consolidar o trabalho da horta, a seleção dos produtos que estamos a fazer com o João Bicho, relativamente ao que plantar, o que faz ou não sentido. Na parte do receituário temos esse trabalho bastante bem desenvolvido, quer ao almoço, quer ao jantar, embora pretenda transformar o jantar numa cozinha mais delicada, mais sofisticada.
“Para nós é muito importante que quem cá venha, possa sentir a terra, que seja recebido de uma forma única”
João Paulo Magalhães, diretor do Ventozelo Hotel e Quinta
Os detalhes estão sempre presentes nas diversas atividades que encontramos na Quinta de Ventozelo…
JPM – Sem dúvida. O enoturismo que temos está desenhado para que nos visitem em todas as épocas do ano. Nesta fase temos um projeto que ainda não iniciamos, mas que são atividades com ligação à gastronomia. Temos um programa para podermos explorar ao máximo o território, mas com valor, que seja visto pelo lado simples, sem ostentação. Para nós é muito importante que quem cá venha, possa sentir a terra, que seja recebido de uma forma única.
Há um cuidado em receber muito bem todos os visitantes a começar pelos programas e pelo staff…
JPM – Esse é um aspeto muito importante. Um dos nossos desafios para os próximos tempos passa por encontrar staff qualificado e que tenha interesse em vir trabalhar para aqui. Os projetos que temos para o futuro compõem um programa que pretendo que sejam uma referência todos os anos.
Temos um projeto cinegético, de observação de espécies, e com sete percursos distintos de natureza. Tudo tem que estar planeado e organizado de modo a que as expectativas das pessoas possam ser superadas. Queremos fazer coisas simples, mas diferentes. Quando entramos em Ventozelo, entramos num mundo diferente.