A marca pioneira e líder nos vinhos não fortificados do Douro, com mais de 250 anos de história sempre em mãos familiares. Conhecimento e excelência são algumas das características que fazem de Casa Ferreirinha uma referência no mundo dos vinhos.
Raquel Seabra é Administradora Executiva da Sogrape, responsável pelas áreas de negócio internacional e inovação. Em maio de 2015, chega à empresa, que é considerada umas das dez maiores de produção de vinho da Europa, para abraçar o cargo de diretora de Controlo e Planeamento Estratégico. Em janeiro de 2018, tornou-se administradora. Licenciada em Gestão e Administração de Empresas pela Universidade Católica e com um MBA pelo INSEAD, Raquel Seabra, foi considerada em 2017, como um dos 40 líderes portugueses de futuro pela revista Exame.
Texto: Pedro Silva
Fotografias: Fotos D. R.
Casa Ferreirinha nasceu de uma família de lavradores da região. Foi uma casa que começou no século XVIII, em 1751. Como foi o início desta história?
RS-A Casa Ferreirinha está integrada no património da A.A. Ferreira, uma das históricas casas de vinhos do Porto e Douro DOC, cuja primeira referência devidamente documentada surge em 1751. A Companhia foi fundada pela família Ferreira da Régua, produtora e comerciante de vinhos do Porto, e é a única empresa de Vinho do Porto que esteve sempre em mãos portuguesas.
A Ferreira cresceu significativamente no século XVIII e investiu sobretudo em vinhos da mais alta qualidade, ao comprar e cultivar algumas das principais quintas do Douro. Este trabalho impressionante teve seguimento no século XIX, graças a Dona Antónia Adelaide Ferreira (descendente direta da família Ferreira). Sob a sua liderança, a Ferreira atingiu um patamar singular, investindo continuamente em novas e melhores vinhas, processos produtivos mais eficientes, um cuidado envelhecimento dos vinhos e na manutenção dos stocks de vinhos velhos.
Quando faleceu, em 1896, Dona Antónia deixou uma fortuna considerável e mais de duas dezenas de quintas de referência no Douro – um património físico e um conjunto de valores que os seus herdeiros preservaram ao criarem, em 1898, a Companhia Agrícola e Comercial dos Vinhos do Porto A.A. Ferreira – empresa que seria pioneira na produção de vinhos de mesa DOC do Douro, como o mítico Barca-Velha da Casa Ferreirinha.
Dona Antónia não foi só uma empreendedora, mas uma pessoa que ajudou as pessoas do Douro?
RS – O grande legado de Dona Antónia ultrapassou em muito o empreendedorismo. Dona Antónia não se limitou a gerir a fortuna recebida por herança. Antes investiu, de forma apaixonada e intensa, na Região do Douro que tanto amou, sem esperar pela proteção ou apoio do Estado. ‘Ferreirinha’, como era apelidada pelos seus conterrâneos, era generosa com os pobres e mais fracos, mas altiva com os mais ricos e poderosos; e que estava com a mesma naturalidade em casa dos trabalhadores mais modestos ou no Palácio Real.
As preocupações sociais de Dona Antónia ultrapassavam em muito o apoio concedido às famílias dos trabalhadores das suas terras e adegas, estando bem patentes no investimento feito na construção de quilómetros de estradas e de caminho-de-ferro na região, que chegou a dar trabalho a mais de mil operários, ou no seu contributo para a edificação dos hospitais de Peso da Régua, Vila Real, Moncorvo e Lamego, para além da ajuda à Misericórdia do Porto e a muitas outras instituições de solidariedade social. Ela enunciava, aliás, uma máxima elucidativa: “Cada um na sua terra deverá fazer tudo o que seja para bem da Humanidade”.
Dona Antónia desenvolveu como poucos os valores de uma cultura empresarial familiar – assente na ética, no respeito e na solidariedade –, potenciando ao máximo o estreitamento de relações entre a produção vitícola e as atividades comerciais, conjugando a importância da tradição com as inovações técnicas na cultura da vinha e na produção dos vinhos, ou fazendo da qualidade dos vinhos o primeiro suporte do prestígio da empresa.
Todos estes atributos, a que se juntaram os seus vinhos finos, de qualidade premiada nas mais prestigiadas exposições internacionais, contribuíram para que esta mulher ímpar tenha adquirido uma aura mítica no mundo dos negócios e foi, sem dúvida, uma das personalidades mais marcantes da história da Região do Douro, estendendo-se o seu reconhecimento a nível nacional.
Marca pioneira e líder nos vinhos não fortificados do Douro, com mais de 250 anos de história sempre em mãos familiares. Como foi construído este legado no património do Douro?
RS – A história de Casa Ferreirinha é indissociável da secular Ferreira. A produção de vinhos não fortificados teve início no século XIX, atingindo um patamar de elevada qualidade com o Barca-Velha em 1952, pela mão de Fernando Nicolau de Almeida.
Numa altura em que ainda ninguém pensava em fazer grandes vinhos tintos no Alto Douro, o sonho deste visionário enólogo, que ingressara na Ferreira em 1929, era lançar um vinho seco, não fortificado, com as melhores parcelas das vinhas utilizadas na produção dos grandes Portos Vintage da companhia. O seu objetivo era, precisamente, iniciar a produção de vinhos de mesa de alta qualidade da Região do Douro, dignos da filosofia dos Porto Vintage. Este sonho concretizou-se em 1952, sob o nome de Barca-Velha.
A marca Casa Ferreirinha foi registada como produtor de vinhos de mesa em 1904. Com o lançamento de Barca-Velha, a Ferreira, com a chancela de Casa Ferreirinha, torna-se a primeira empresa de Vinho do Porto a dedicar-se à produção de vinhos de mesa de qualidade do Douro, mudando os parâmetros dos vinhos da região e moldando de forma marcante o futuro dos vinhos portugueses.
A génese da Casa Ferreirinha é, portanto, uma verdadeira lição de enologia que para sempre determinou a evolução dos vinhos desta casa de referência, uma evolução enriquecida com a plantação de raiz da Quinta da Leda, adquirida em 1979, e de onde a partir de meados da década de 80 passaram a nascer as uvas que permitiram aumentar e melhorar a produção dos seus vinhos. A Quinta da Leda permitiu à Casa Ferreirinha a extensão do seu portfolio a diversos segmentos do mercado, com vinhos não fortificados topo de gama que são expressão máxima do terroir do Douro.
Propriedade da Sogrape desde 1987, quando a empresa adquiriu a totalidade do capital da A. A. Ferreira, a Casa Ferreirinha viu integralmente respeitados os valores construídos e consolidados ao longo da sua história, beneficiando, contudo, de investimentos em vinha e tecnologia, nomeadamente na modernização da privilegiada Quinta da Leda, que reforçaram a perceção da marca como sinónimo de vinho do Douro de elevada qualidade.
Desde então, a Sogrape tem vindo a investir na aquisição e plantação de novas vinhas na região, em especial no Douro Superior. A frescura e acidez das uvas provenientes de zonas altas são um dos segredos que, precisamente desde os anos 50, dão origem a vinhos como o Barca-Velha ou o Reserva Especial.
Produzir vinhos do Douro elegantes era um objetivo?
RS – Como mencionado acima, o grande objetivo do enólogo Fernando Nicolau de Almeida era, precisamente, iniciar a produção de vinhos de mesa de alta qualidade da Região do Douro, dignos da filosofia dos Porto Vintage.
O conhecimento secular do Douro, a origem nas melhores uvas da região e a utilização dos métodos enológicos mais adequados por quem produz estes vinhos garantem à Casa Ferreirinha um portefólio de exceção que, além do Barca-Velha, contempla ainda outras estrelas como o Reserva Especial, o Quinta da Leda ou o Callabriga.
A Casa Ferreirinha é hoje a referência máxima de vinhos do Douro, apresentando um portefólio de exceção.
Quais os mercados para onde mais exportam?
RS – Entre os maiores mercados de exportação de Casa Ferreirinha encontram-se Canadá, Brasil e Angola. Há, contudo, mercados cada vez mais relevantes para este produtor, como o Reino Unido, EUA, Suíça e Escandinávia.
Porque é que o Douro é uma região tão especial?
RS – A produção de vinhos no Douro remonta ao tempo dos romanos, contando, por isso, com uma já longa tradição.
“É a região com maior área de viticultura de montanha do mundo, onde poucas culturas, além vinha, têm sucesso”.
À diversidade geográfica, pedológica e orográfica ao longo das três sub-regiões, junta-se-lhe a enorme diversidade de castas – mais de 100 –, fatores que permitem criar vinhos de diferentes perfis e elevada qualidade, sempre marcados pelo terroir onde nascem.
Barca-Velha e o Quinta da Leda são duas referências incontornáveis. O Barca- Velha apenas lançado em anos de colheita excecionais. O que define um ano de colheita excecional?
RS – Um ano de colheita excecional é um ano em que todos os fatores se conjugam em harmonia – clima, natureza, tempo.
A ideia de lançar uma nova colheita de Barca-Velha é um processo misterioso que se vai estruturando, revelando e tornando consistente ao longo do tempo.
Costumamos dizer que não há receita para o Barca-Velha, mas há sim uma eterna busca pela perfeição encabeçada pelo enólogo seu criador, Luís Sottomayor, cujo papel é respeitar o tempo e o que a natureza lhe dá.
Tomando como exemplo o lançamento da última colheita, o ano de 2011 revelou-se um ano vitícola quase perfeito, no qual tudo correu bem. Houve água quando necessário e na quantidade desejada, calor bastante forte e na altura certa. As maturações foram longas e harmoniosas. Estas condições permitiram uma vindima de muito razoável quantidade e extraordinária qualidade.
Lançar um Barca-Velha é uma decisão puramente enológica, cem por cento alheia a pressas ou pressões. Ao enólogo cabe-lhe aguardar e confirmar o potencial que a vindima deixou antever. Tempo é mesmo a palavra-chave.
Qual será a aposta da Casa Ferreirinha para os próximos anos?
RS – Enquanto pioneira em vinhos não fortificados da região, Casa Ferreirinha manter-se-á fiel ao Douro, continuando a explorar os seus diferentes terroirs e todo o potencial do enorme património de castas.
Além de algumas novidades que não podemos ainda revelar, pretende prosseguir o seu caminho de reconhecimento crescente, mostrando ao mundo a qualidade dos seus vinhos e fidelizando cada vez mais apreciadores.
Em paralelo, manter o seu crescimento em Portugal é uma prioridade, ao mesmo tempo que explora oportunidades de internacionalização.