Teresa Metelo Dias criou a ideia da garrafa mascarada que surgiu e foi abraçada como um bebé, criada como uma rainha e apresentada ao mundo como o sol, encantando os mais ousados e ofuscando os outros. Assim nasceu a polémica rotulagem que toda a gente conhece.
Texto: Pedro Silva
Fotografias: Fotos D. R.
Crescida nas vinhas, mas cedo se apaixonou pela Psicanálise, formando-se em Psicologia e mais tarde especializando-se em Psicanálise. Já psicóloga, (re)encontrou uma nova paixão – o vinho – não hesitando em ingressar novamente no meio académico para se formar em Engenharia Agronómica. Quando é que sentiu a vontade de se tornar produtora de vinho e enóloga?
TMD – Foram dois tempos diferentes. A enologia veio antes. A minha primeira grande paixão, arrebatadora, muito intensa, foi a psicologia. Sempre tive muito interesse pelo ser humano e por compreender os mecanismos que estão por detrás das nossas emoções e das nossas relações. Nunca tive dúvidas quanto ao curso no qual gostaria de me licenciar, que sempre foi a Psicologia. Continuo a exercer Psicologia, continuo a estudar e a investir na Psicologia, nomeadamente, na Psicologia dinâmica, na Psicanálise. Estas são as minhas áreas de interesse e de trabalho. A enologia surgiu mais tarde. Talvez até tenha a ver com todo o meu processo analítico pessoal que desbravou essa parte que estava um pouco mais escondida porque, de facto, eu cresci nas vinhas. A minha família era produtora de vinho e eu sempre andei por ali. Mais tarde, ainda durante o curso de Psicologia, talvez pelos meus 20 anos, comecei a interessar-me cada vez mais pelo mundo da enologia e as tantas já não me bastavam só aquelas conversas informais à mesa sobre vinhos, sobre uvas e sobre as vinhas, com a família e com os amigos da família, com os jornalistas. E resolvi tirar o curso de Engenharia Agronómica, no ISA, começar tudo de novo – o primeiro volte-face. Fui trabalhadora estudante: estudava Engenharia Agronómica (depois segui o ramo de Enologia e Viticultura) enquanto dava consultas de Psicologia. Portanto, a enologia surgiu assim, como resultado do meio onde eu estava inserida, onde cada vez mais me fui apaixonando e me fui interessando. Dei por mim a pensar: “quero trabalhar nisto também. Adoro, e não me basta só saber”.
A parte como produtora de vinhos foi completamente diferente. Não estava nada planeado. Aliás, ainda antes de terminar o curso de Engenharia Agronómica, fui trabalhar para a empresa da minha família, que produzia os vinhos – Couteiro Mor, em Montemor-o-Novo. Tínhamos 300 ha (120 ha de vinha). Tirei o curso absolutamente vocacionada para trabalhar nesta empresa. Estava extremamente motivada para resolver os problemas, melhorar e inovar – e fazia um pouco de tudo, desde a parte comercial, de imagem, produção, estratégia. Quando a minha família resolveu vender a empresa foi uma surpresa (e um choque). Via-me sempre a tocar aquela empresa para a frente, aliás, estou convencida que muitas das melhorias que conquistámos foram determinantes para a empresa se tornar apetecível para quem a comprou. Então, de um dia para o outro, fiquei sem nada, sem vinhas, sem adega, sem terra, sem o meu “monte de infância”. Creio que a melhor expressão que resume a fase que se seguiu é: “a necessidade aguça o engenho”. Não tive grandes dúvidas. Quando tenho uma ideia na qual acredito, começo logo a cozer todos os ingredientes para criar esse projeto. Portanto, decidi ser produtora e criar um vinho, uma marca e fazer tudo sozinha, a partir do início: aquilo a que nós, em Psicologia, gostamos de chamar um new beginning – o 2º Volte-face, que veio dar o nome à marca e à empresa.
A marca VolteFace é uma referência ao nível da qualidade, com uma imagem, sofisticada e irreverente. Porquê a escolha do nome VolteFace?
TMD – Não poderia ser mais óbvio, tendo em conta o meu percurso de vida. Primeiro aquele salto de Psicologia para Enologia, sempre com um pé na Psicologia. E depois o segundo, de ter vendido o Couteiro-Mor e de ter criado a minha própria empresa a partir do zero.
Criou uma imagem única, criativa e enigmática. O vinho VolteFace é apresentando com um rótulo “mascarado”. Porquê?
TMD – Nada que ilustre melhor uma mudança do que uma máscara. Esse foi um dos motivos. Outro motivo foi que eu estava determinadíssima a fazer uma coisa completamente diferente em termos de “packaging”. Queria fazer uma coisa mesmo diferente. Aliás, a primeira ideia era até colocar uma máscara dentro de um rótulo quadrado, mas entendi que para ser diferente a garrafa teria que vir “mascarada”, sem mais nada. Entusiasma-me poder inovar, romper com o previsível. Uma vez que não queria entrar em processos de vinificação marginais (considero as minhas opções de vinificação tradicionais), a loucura ou criatividade tinham de entrar na imagem no “packaging”. É divertido, porque o VolteFace é conhecido como o vinho da máscara, mais que com o VolteFace.
Em 2015 adquire uma propriedade em Valverde, Évora, plantando 5 ha de vinha e tendo como encepamentos as castas Alicante Bouschet (3ha), Syrah (0,5ha), Petit Verdot (0,5ha), Antão Vaz (0,75ha) e Arinto (0,25ha). Imagina-se a produzir vinho noutra região do país?
TMD – Eu não me imagino, o que não quer dizer que não possa acontecer. Também não me imaginava como produtora de vinho e acabou por acontecer. Se a vida me levar para esse caminho, não digo que não a algo que me desafie ou entusiasme, contudo neste momento não tenho isso em mente.
Como descreve o seu processo de produção de vinho? E enquanto enóloga, qual é o seu perfil de vinho?
TMD – Eu produzo os vinhos que eu gosto de beber. Felizmente há muitas pessoas que têm o mesmo gosto que eu. Nos vinhos brancos sou uma grande fã da casta Antão Vaz, a casta de excelência do Alentejo. Para mim, a rainha das castas brancas do Alentejo. É uma casta produtiva, extremamente aromática, com exuberantes notas de fruto tropical que me deleita. Gosto de a lotear com um pouco de Arinto para lhe dar um pouco mais de acidez e de longevidade, se bem que o Antão Vaz é uma casta com acidez média, tal como eu a conheço ou como eu a tenho produzido. Como não gosto de vinhos brancos com madeira, opto por usar barricas não tostadas no estágio dos meus vinhos brancos onde faço bâtonnage com o objetivo principal de dar corpo, estrutura e untuosidade ao vinho, não para ter notas de madeira. Nos vinhos tintos é o contrário: um grande tinto tem de ser estagiado em barricas de madeira tostada. Gosto de castas como o Alicante Bouschet, que tendem a produzir vinhos densos, concentrados e maduros. É uma casta que depois de vinificada pede barricas novas, de preferência. Isto porque equilibra muito bem com os aromas computados da casta Alicante Bouschet. Gosto de tintos maduros, concentrados, densos… que quase que se mastigam. Ainda assim elegantes, porque a elegância não é exclusiva da discrição.
E quais são as novidades do VolteFace? O que vem por aí?
TMD – Nos vinhos não podemos fazer grandes promessas, porque eles também dão alguns volte-faces, esperamos sempre que para melhor. Este ano lancei o VolteFace Vinha da Corujinha, uma edição exclusiva de apenas 1300 garrafas, que esgotou em dois meses. Fiquei muito feliz com aquilo que consegui fazer. Tenho muita sorte com as minhas vinhas. Sei que a sorte também se procura. O terroir onde instalei as minhas vinhas é excecional. É suficientemente stressante para a vinha, que, tal como nós, para ser boa tem de sofrer. Espero conseguir em breve lançar, a par com o VolteFace, outras edições especiais, um Vinha da Corujinha ou, quiçá, algo mais. Vamos ver… ainda está nas barricas. Os dados estão lançados.