Sophia Bergqvist apresenta-nos a história de uma família que em 1988 escreveu uma nova página nos vinhos do Douro. Tudo começa com a produção de vinho do Porto de marca própria. Hoje, a Quinta de La Rosa proporciona um conjunto de experiências juntando o vinho, a gastronomia e o enoturismo.
Texto: Pedro Silva
Fotografias: Fotos D. R.
Ao longo dos últimos anos, os vinhos e portos da Quinta de La Rosa continuam a ser prestigiados a nível nacional e internacional. Quais os momentos que destaca como fundamentais na história da Quinta de La Rosa?
SB – Um dos momentos que destaco foi quando comecei com o meu pai. Portugal e o Douro em 1988 eram completamente diferentes daquilo que são hoje. Toda a minha vida em Portugal nos anos 60 e 70, onde destaco a revolução de 1974, foi muito complicada. Hoje as pessoas conhecem Portugal, mas no passado não era assim. Não havia uma imagem muito forte para o exterior. Quando começamos em 1988, fomos um dos primeiros produtores de vinhos do Porto a fazer os nossos vinhos na Quinta de La Rosa, ao contrário de muitos produtores que tinham armazéns em Vila Nova de Gaia. Tivemos sorte porque, apesar de começarmos do zero, tínhamos uma quinta, tínhamos as vinhas, uma adega, alguns lagares, um armazém com alguns tonéis e pipas, onde podemos fazer o armazenamento dos nossos vinhos dentro da nossa quinta.
Foram anos difíceis. Lembro-me quando começamos em 1988 a vender o vinho desse ano em 1990 como o Vintage, que foi o nosso primeiro Vintage Porto. Os importadores perguntavam-me: onde está o seu 10 anos? E o 20 anos? E o Ruby? E o Tawny? E eu só tinha uma referência, o que foi bastante complicado num mercado com as grandes marcas. Felizmente em 1991 começamos a fazer os nossos vinhos DOC com uvas do Douro. Tive uma reunião com o enólogo David Baverstock, onde me transmitiu a ideia de fazer vinhos DOC com as nossas uvas do Douro. Pouca gente fazia isso. A primeira vez que fizemos estes vinhos, os nossos rótulos foram colados à mão. Eu, a minha mãe e algumas mulheres que trabalhavam na vinha, conseguimos colar os rótulos embora ficassem todos desnivelados. Ficou algo mesmo rústico.
Foi a partir daqui que começamos até chegar à Quinta de La Rosa tal como a conhecemos agora. Foram 30 anos a superar algumas coisas que correram mal, com problemas de bactérias na madeira nos anos 80, que ficaram alojadas nos tonéis e que afetou a nossa qualidade de vinho do Porto. Hoje as coisas na nossa quinta estão muito melhor organizadas. Por um lado, nos dias de hoje, é mais fácil lançar um vinho ou uma marca nos, por outro lado, é mais complicado porque existe mais concorrência. Quando recebemos a distinção de melhor produtor de vinho do Porto no mundo pela Wine awardsInternational Wine & Spirits Competition em Londres, em 1996, percebemos que estávamos a começar a atingir os nossos objetivos.
Destaco um outro momento, em 1988, quando o meu importador em Inglaterra foi comprado pela Berry Bros. & Rudd, que é uma loja familiar britânica de vinhos e destilados fundada em Londres em 1698, que vende vinho para a Rainha e que nos convidou para almoçar nos seus escritórios em Piccadilly. Foram estes momentos que nos levaram a perceber que as coisas estavam a correr muito melhor. Mas sem dúvida o ponto mais importante na Quinta de La Rosa foi em 2002, quando o nosso enólogo Jorge Moreira entrou a tempo inteiro e as coisas mudaram. Começamos a melhorar a nossa qualidade, quer nos vinhos colheita quer nos vinhos do Porto. Foi um passo muito importante para nós. É um amigo e uma parte muito importante da Quinta de La Rosa.
Os 62 hectares de vinha da Quinta de La Rosa alinham-se na margem norte do rio. A propriedade de 100 hectares, Quinta das Bandeiras, foi comprada pela família Bergqvist em 2005. Como define estas duas vinhas?
SB – Em 2005 compramos a Quinta das Bandeiras. Foi o último projeto do meu pai que decidiu deixar para os filhos. O nosso enólogo Jorge Moreira estava muito expectante para saber como seriam as uvas no Douro Superior, onde poderia ser feito um contraste interessante com o Cima Corgo. Teríamos o mesmo enólogo, as mesmas castas, mas com sabores completamente diferentes. Para mim, Quinta de La Rosa em termos de estilo de vinho é um pouco mais fechado, mais mineral, com maior acidez e com uma frescura incrível. Temos muito sol de manhã em La Rosa, no entanto as videiras sofrem muito menosmenos porque estamos muito inclinados. Temos uma vinha que se chama Valevinha do Inferno, onde temos muros em xisto, talvez dos mais altos no Douro o que torna tudo mais complicado para as videiras. Por outro lado, na Quinta das Bandeiras estamos perto do rio, mas temos menos inclinação. Temos vinho com muito mais expressão, muito mais aberto, mais sedutor, com mais fruta. Acho muito interessante esta diferença, apesar dos vinhos da Quinta das Bandeiras não serem tão conhecidos.
O processo de vinificação é muito importante. Quais os detalhes que não podem faltar?
SB – Para mim o mais importante de tudo é a qualidade da uva, assim como tudo o que se passa na vinha. Nos primeiros anos não compreendi isso tão bem. É um processo que leva anos. É muito importante investir na vinha. Depois temos o trabalho do enólogo que é fundamental. É ele que define o estilo. Por isso, para nós, o trabalho do Jorge Moreira é tão importante. Sou a proprietária e estou sempre atenta, mas deixo tudo nas mãos do Jorge. Fazemos provas juntos onde discutimos alguns pormenores, mas é ele quem decide tudo e não interfiro. Outro aspeto fulcral é quando decidimos começar a vindima e como vindimamos. O Jorge Moreira conhece bem o clima, as nossas uvas. Por exemplo, se for um ano com muita chuva, ele sabe se a vinha do Vale do Inferno vai ficar pronta mais cedo ou mais tarde. Temos a vantagem de sermos pequenos e, como tal, podemos se for necessário, parar a vindima. Podemos decidir apanhar as uvas até um determinado ponto e posteriormente retomar. Precisamos sempre minimizar os riscos e os aspetos que saem fora do nosso controlo. Na nossa adega tentamos usar a gravidade, sempre que possível, evitando a utilização das bombas. Estamos sempre muito atentos ao controlo da temperatura, assim como do álcool. Para o Jorge Moreira é fundamental que as uvas, o terroir e a vinha se expressem na garrafa. Para o enólogo é fundamental a experiência e a compreensão das vinhas. O enólogo precisa de provar agora, daqui a 1 ano, 2 anos…
A Quinta de la Rosa oferece a oportunidade de alojamento naquela que é uma quinta produtora de vinhos de gestão familiar. Que experiências podemos encontrar?
SB – Fomos umas das primeiras quintas do Douro a abrir as portas ao turismo. O nosso conceito foi sempre tentar receber as pessoas com o objetivo de proporcionar uma experiência de habitar numa quinta. Queremos que as pessoas chegam a La Rosa e que vivam uma experiência connosco como convidados. Nos nossos quartos temos uma parte de mobiliário que é antigo e que vem de nossa casa, que conjugamos com a decoração moderna. Queremos receber bem as pessoas. Há muitas coisas para fazer dentro da quinta e fora da quinta. Temos provas de Vinhos do Porto, visitas guiadas dentro da nossa vinha e da nossa adega, temos picnics, temos caminhadas à volta da vinha, temos duas casas do campo para que as pessoas possam alugar e usufruir de uma vista incrível do Douro, que tem tanta coisa para ver e descobrir.
Os dois espaços Cozinha da Clara e Tim´s Terrace, são uma homenagem a duas personalidades incontornáveis da história da Quinta de La Rosa. Como surgiu a ideia de criar estes espaços com vista privilegiada para o Douro?
SB – Nunca tinha pensado que pudéssemos abrir um restaurante. Tivemos sorte em encontrar o Chefe Pedro Cardoso. Veio com a experiência do Six Senses Douro Valley e com a sua equipa conseguimos recuperar a tradição da comida do Douro. Potenciamos as receitas da comida que a minha avó fazia. A minha avó Clara tinha uma cozinheira, chamada Maria da Conceição, que cozinhava de forma incrível. No Douro temos fruta e legumes de enorme qualidade. Nunca me vou esquecer da comida que a minha avó fazia, como por exemplo, os suflés de limão ou gelados de framboesa, tudo feito manualmente. Ela tinha a sorte de ter uma quinta que tinha tudo. Trocávamos alguns alimentos com uma mercearia no Porto, Agosto Augusto Leite, onde recebíamos queijo e carnes que eram difíceis de encontrar no Douro. Eu ficava horas à volta da mesa para provar os pratos. O Tim´s Terrace é um conceito do meu filho. Está a colaborar com La Rosa há de 2 anos. Entrou uma nova geração com meu filho Kit. O nosso conceito não é só para o turismo, mas sim para todos.
O que podemos esperar no futuro da Quinta de La Rosa?
SB – Teremos uma aposta no Tim´s Terrace e também com a cerveja que partiu do meu filho Kit Weaver. O Jorge Moreira está sempre ligado aos nossos projetos. É muito importante para nós termos novos projetos no Douro e investir no melhor que a região nos pode dar.